No pino do verão de 1961, em agosto, chegava ao Porto um avançado brasileiro para reforçar a equipa principal
do FC Porto, o ponta de lança Azumir. Nome que era ainda uma incógnita, assim
como a denominação do respetivo lugar em campo, pois em Portugal um jogador
atacante que jogava mais perto da baliza era então chamado avançado-centro. E
esse mesmo goleador, proveniente do Rio de Janeiro e do Vasco da Gama, Azumir, foi
depois um dos mais importantes avançados azuis e brancos da década de 60.
= Equipa do FC Porto em 1961 (a partir da esquerda, e desde cima) Américo, Arcanjo, Paula, Ivan, Barbosa e Virgílio; (em baixo) Jaime, Pinto, Azumir, Hernâni e Serafim.=
Logo na época de estreia Azumir foi o
melhor marcador do campeonato, com 23 golos, a que juntou outros oito na Taça
de Portugal. No total, em três épocas no FC Porto, participou em 64 jogos e
marcou 57 vezes.
Azumir, por esses tempos, foi ídolo da família portista e teve um especial admirador aqui no autor destas lembranças, sendo eu à época ainda criança, em tempo de primeiras letras no ensino da escola primária e também a começar a sentir portismo.
Isso mesmo ficou descrito, na
primeira pessoa, em livro publicado em 2016. Um livro de publicação restrita e distribuição apenas
familiar, “Torrente Escrita – em Contagem Pessoal”, a narrar para a família
direta algumas historetas pessoais, mas intrometendo intercaladamente algumas histórias
de afeições particulares, como no caso também algo que se foi desenrolando
relativamente à afeição pelo FC Porto.
Por esses tempos, dos inícios de frequência pública local, por volta de 1960 quando já ia à “doutrina” (catequese) e principiei a interessar-me por ouvir falar do Porto, quem venceu a Volta a Portugal em bicicleta foi o ídolo Sousa Cardoso, do F.C.Porto, em tempo em que ainda corria com a camisola azul e branca o ciclista Felgueirense Artur Coelho. Tal qual quando então passei a colecionar cromos, os “macacos” de ases da bola, a equipa de futebol principal do F. C. Porto era composta por uns Américo Lopes, Virgílio, Arcanjo, Mesquita, Barbosa, Paula, Ivan, Luís Roberto, Monteiro da Costa, Carlos Duarte, Serafim, Jaime Silva, Custódio Pinto, Azumir, Hernâni… E Azumir, artista no ataque, foi o melhor goleador do campeonato em 1961/62, conquistando o galardão da Bola de Prata.
– Azumir… Américo…
… Inícios do Portismo do autor destas linhas. E havia um jogador, que nunca vi em carne e osso, só conhecia de nome e fisionomia pelas gravuras dos jornais e cromo que tinha na minha caderneta. Mas muito admirava pelos meus seis, sete anos, no acompanhamento do que já ia sentindo pelo Porto, sendo um goleador que vestia a camisola azul e branca, chamado Azumir. Ouvia o seu nome no rádio que estava junto à cabeceira da minha avozinha (que estava sempre na cama, paralítica) e ficava a pensar como seria ele vestido com a camisola linda que eu tinha numa fotografia, retirada dum papel que viera com qualquer coisa duma feira.
Azumir foi então um dos meus primeiros ídolos, do que me lembra desses tempos de primeiros anos de convivência infantil, de toda a ambiência que tive entre aulas, recreios e brincadeiras dessas eras de escola primária, durante a semana, e ensino da catequese, aos domingos. Em cujos dias santificados, mal acabavam as preleções das catequistas, nos lançávamos em loucas correrias para ainda presenciarmos o que restasse dos jogos de basquetebol da equipa da Metalúrgica da Longra, ao tempo a competir nos campeonatos corporativos, da coeva FNAT (mais tarde substituída, com a mudança de regime político, pelo Inatel). Como gostava de ouvir o povo assistente a gritar “Longra ao lado” (!), sinal de que haveria lançamento lateral a favor da equipa Longrina e a bola ficava na “nossa” posse. Pois a maioria das vezes nem sabia a quantos estava, ou seja qual era o resultado, mas pelas reações me apercebia se estávamos a ganhar ou não… E de tarde, como tivesse de ir à igreja para a reza do terço, estava em silêncio com a cabeça no jogo do Porto, da equipa principal de futebol do F. C. Porto, e mal o saudoso Padre João tirasse a capa, com que dava a última bênção, eu e outros nos lançávamos para onde soubéssemos que havia um rádio a dar relato do jogo… Foi então, numa dessas tardes de domingo, que me ficou na cabeça um jogo em que o Porto venceu o Benfica em pleno estádio da Luz, por 2-1, com dois golos de Azumir. O jogador que nessa altura mais custava a sair nos rebuçados, sendo cromo raro para a coleção da caderneta que colecionávamos…
Quão mexia cá dentro sempre que ouvia o relatador, do som radiofónico, a berrar uma grande defesa do Américo – outro meu ídolo, até o que mais admirei sempre – e nas andanças da bola saber que lá estavam e andavam outros a mexer e remexer o esférico para a nossa causa, gravando-se no íntimo certa afeição aos nossos, que então compunham um naipe de grandes futebolistas, completada que era a equipa por nomes como Virgílio, Arcanjo, Festa, Jaime, Pinto, Hernâni…
Outra vez, ainda ficou mais nas recordações em ter ouvido entre Sportinguistas e Benfiquistas que nos saíria o pio numa ida a Alvalade. Mas não é que, aí, o Porto foi lá vencer, com mais um golo de Azumir..?!
Ora bem, Azumir, como tal, é nome que prevalece Tal a fibra de “artilheiro” que nos entusiasmou e perdurará como vencedor duma Bola de Prata, como melhor goleador do campeonato, a primeira que me lembro de saber que um jogador do Porto ganhou.
Os referidos cromos, de gravuras dos jogadores de futebol, vinham embrulhados em rebuçados baratos, a tostão, ou seja um centavo (em tempo de moeda do Escudo) – coisa que agora, com a moeda em Euros já não tem equivalência, pois a mais baixa unidade, de 1 cêntimo, corresponde a dois antigos escudos. Recordando-se que um escudo andava à volta de cem centavos ou tostões, como se dizia popularmente, num enquadramento aos tempos que correm, das primeiras décadas do século XXI, em que um Euro equivale a duzentos escudos de antigamente (1 E = 200$00 arredondados, mais precisamente 200,482 escudos, na ocasião da entrada da moeda Euro, em 2002). E, naquele tempo, nos anos sessentas, com um tostão até se comprava bem mais coisas, também, bastando saber que com uma coroa, de cinco tostões (centavos), já se comprava um doce na Padaria (equivalente aos pastéis de hoje em dia, que custam em média oitenta cêntimos, cerca de cento e sessenta escudos antigos), para o que servia a coroa que se ganhava em ir na “Cruzada” aos enterros…
Ora, Azumir, em virtude de ter sido o melhor goleador do campeonato dessa época de 1961/62, recebeu depois em 1962 o respetivo troféu Bola de Prata.
Entretanto, devido à sua eficácia no ataque e como tal pelo que passou a despertar receio nos adversários, era então muitas vezes vítima das ações defensivas contrárias, em sinal de sua valia que apenas era travada à margem das leis do jogo e da ética. Quantas vezes com a complacência dos árbitros, como infelizmente é imagem costumeira nas arbitragens contra o Porto.
Contrariedades que historicamente o FC Porto foi tentando contornar e sempre que possível suplantava. Como no tal jogo descrito anteriormente. Quando já em 1962, ficou associado Azumir a essa grande vitória conseguida no antigo estádio da Luz, diante da equipa de Coluna, José Águas, Eusébio e C.ª, em encontro a contar para o Campeonato Nacional da 1ª Divisão, à 4ª jornada da prova da temporada der 1962/63, terminado com mais uma marca histórica: SL Benfica, 1-FC Porto, 2; através de 2 golos de Azumir pelo FC Porto e 1 de Eusébio para o Benfica.
= Equipa do FC Porto vitoriosa na Luz, em Novembro de 1962: A partir da esquerda e em cima – Mesquita, Paula, Miguel Arcanjo, Joaquim Jorge, Alberto Festa e Américo; em baixo, pela mesma ordem – Jaime Silva, Custódio Pinto, Azumir (autor dos 2 golos, aos 27′ e 60′), Hernâni e Serafim. Era Treinador da equipa Jenő Kalmár (da Hungria).
Foi então tal o apreço portista por essa significativa vitória, alcançada em casa do Benfica, que a chegada dos jogadores ao Porto revestiu-se dum banho de multidão, em autêntica manifestação de regozijo, qual mar azul de entusiasmo. Com Azumir no centro das atenções, a ser recebido e levado em braços e aos ombros – como a imagem documenta.
Então… Estava-se em pleno verão de São Martinho quando no outono de 1962 o FC Porto se deslocou à capital do império para defrontar a equipa que havia ganho ainda meses antes a Taça dos Campeões Europeus pela segunda vez. E o FC Porto passava por fase de transição, ainda com a equipa a formatar-se, após os bons tempos dos campeonatos dos anos de 1956 e 1959 (e mais não foram pelos habituais roubos do sistema, algo que só quase por milagre foi conseguido superar no campeonato do caso-Calabote). E então, nessa tarde domingueira de tempo soalheiro, a meio de novembro de 1962, enquanto o sol dourava a luz do dia, o conjunto da equipa principal do futebol portista deu um ar de sua graça, numa bela exibição coroada em remates certeiros do avançado Azumir, que não esteve com cerimónias nem mesuras diante dos levanta-braços do regime. Tendo o craque brasileiro do FC Porto sido ali autor de dois golos, a cuja soma um de resposta de Eusébio apenas reduziu a desvantagem lisboeta e foi insuficiente para impedir que os dois pontos da vitória ficassem com os homens das sagradas camisolas das duas listas azuis.
Ora bem, Azumir, como tal, é nome que prevalece. E merece ser evocado, tal a fibra de “artilheiro” que nos entusiasmou.
No livro “FC Porto Figuras & Factos 1893-2005”, de J. Tamagnini Barbosa e Manuel Dias, (editado pela Notícias do Douro, como produto reconhecido pelo F. C. Porto, em 2005), consta uma nota resumida, sem imagem de ilustração, onde se pode ler:
«Futebolista de nacionalidade brasileira, representou o F. C. do Porto no início da década de 1960. Ponta de lança eficaz, tanto a rematar com os pés como com a cabeça, foi o melhor marcador do Campeonato Nacional de 1961/62, com 23 golos (do total de 57 tentos obtidos pela equipa, que foi segunda na classificação).»
= Equipa do FC Porto em 1964 (Da esquerda para a direita, em cima – Otto Glória, treinador, ao tempo; Rolando, Joaquim Jorge, Paula, Festa, Almeida e Américo; em baixo, pela mesma ordem – Carlos Duarte, Valdir, Azumir, Custódio Pinto e Hernâni.=
Azumir, de nome completo Azumir Luís Casimiro Veríssimo, nasceu no Rio de Janeiro a 7 de Junho de 1935, no Brasil. Começou por jogar futebol no Madureira S.C. Passou depois pelo Bangu A.C., C.R. Flamengo, Botafogo F.R., Fluminense F.C. e C.R. Vasco da Gama. Em 1961 transferiu-se para o Futebol Clube do Porto e tornou-se o melhor marcador do campeonato dessa temporada de 1961/62 com 23 golos apontados, em 20 jogos disputados. Foi assim o primeiro jogador do F.C. Porto a vencer a “Bola de Prata”, embora os golos que apontou não tenham chegado para ultrapassar as condicionantes que pesaram na perda de mais um campeonato, dessa vez pela diferença de 2 pontos… Na época seguinte, Azumir voltou a ser o melhor marcador da equipa, com 17 golos, mas sem ter ficado à frente dos goleadores da prova, enquanto em 1963/64 já apenas marcou 3 golos em 5 partidas disputadas e acabou por rumar ao S.C. Covilhã, onde disputou a época de 1964/65. E daí em diante passou por outros clubes, até terminar a sua carreira pelas divisões inferiores dos campeonatos de Portugal.
Faleceu no Rio de Janeiro, dia 2 de dezembro de 2012.
= Azumir, ao receber o troféu Bola de Prata, correspondente à época de 1961/62.
Pois Azumir perdurará para sempre na história Portista como um bom avançado, marcador de golos, na senda do anteriores e posteriores compatriotas seus que fizeram furor na linha atacante das Antas, como houve antes o Jaburu, e depois o Amaury, o Djalma e o Flávio, e em expetativas criadas, mas de valor inferior, também um anteriormente razoável Humaitá, tal como muitos anos volvidos houve o Pena, de boa memória num ano só. E depois houve Hulk, etc. Até ao Kelvin do tal golo que valeu por muitos… Mas Azumir, o craque que veio do Vasco da Gama para marcar golos pelo Porto, cumpriu a sua função e foi nome gritado por todo o lado onde houvesse Portistas. Ficando memorável pela honra que deu ao F. C. Porto em ter o melhor goleador dum campeonato, depois que foi instituído um trofeu para essa distinção (embora através dum jornal conotado com o regime desportivo, o que já levou por vezes a não serem atribuídos golos a jogadores do FC Porto, para não vencerem, como num ano no caso de Domingos e noutro com Falcao…).
= Plantel do FC Porto em 1964 (Em cima, a partir da esquerda -Rui, Rolando, Azumir, Paula, Miguel Arcanjo, Luís Pinto, Festa, Joaquim Jorge e Américo; em baixo, pela mesma ordem -Jaime, Artur Jorge, Custódio Pinto, Almeida, Rico, Carlos Baptista e Nóbrega. =
Azumir mais tarde, enquanto estava ainda no Porto, teve um caso de disciplina, ou indisciplina, com um colega, o que motivou ter deixado de alinhar algum tempo, com o clube a ser prejudicado, até ter acabando por sair. Mas na retina da memória ficou sempre como um grande artilheiro, cujos golos muito fizeram vibrar muito boa gente.
Este Azumir, o grande goleador galardoado com a Bola de Prata, em suma, ficou propriamente na História do FC Porto e foi um grande ídolo da bola ao tempo em que o autor destas recordações começou a sentir no peito um bater mais forte pelo F. C. Porto…!