Otávio não foi um pedido de Lopetegui, nem de qualquer outro treinador. Otávio foi uma aposta da SAD, numa oportunidade de fazer uma transferência com um parceiro do FC Porto, no caso o Banco BMG, através do Coimbra Esporte Clube.
Este é um exemplo de como pode ser fácil contornar a proibição da partilha de passes de jogadores por terceiros. Se os agentes não podem controlar os jogadores, controlam os clubes.
Ricardo Guimarães, presidente do BMG e antigo presidente do Atlético de Mineiro, decidiu começar a investir em jogadores, criando para o efeito o BR Soccer, registado na CVM e que em 2013 já tinha uma carteira de mais de 100 jogadores, muitos deles protagonistas de transferências muito caras (como Marquinhos, Óscar ou Bernard). Ora o fundo controla a empresa Vevent, que por sua vez assumiu o comando do CEC.
Como o Coimbra Esporte Clube serve apenas para manter e transferir os direitos dos jogadores, esses jogadores são espalhados por clubes como Corinthians, Atlético, Cruzeiro, Vasco, São Paulo, Internacional, Fluminense…
A partir daqui, a modalidade de compra é conhecida. No primeiro negócio, o BMG comprou 50% do passe de Otávio por cerca de 1,35 milhões de euros, e adquiriu também 15% que estavam na posse de um fundo japonês. Isso totalizou os 65% que o Coimbra Esporte Clube tinha de Otávio.
No fecho de mercado de 2014, o Inter transferiu os direitos desportivos para o FC Porto. Os direitos de inscrição podem ser transferidos livremente, o que foi o caso. A imprensa, ao consultar o contrato que foi celebrado, chegou a noticiar que a transferência se tinha processado sem custos. Conforme foi explicado aqui, não foi o caso.
Não foi ao Internacional que o FC Porto comprou Otávio, mas sim ao Coimbra Esporte Clube. E ao contrário do que escreveu hoje O Jogo, o FC Porto não comprou 32,5% do passe por 2,5 milhões de euros. Comprou 33%.
«Uma diferença de 0,5% não é nada». É sim, é uma questão de rigor. O FC Porto comprou 33% de Otávio, por 2,5M€, e cedeu 0,5% a uma parte desconhecida.
Por exemplo, ninguém terá reparado que no terceiro trimestre da última época o FC Porto comprou mais 0,5% do passe de Diego Reyes. Inicialmente tinha comprado 95%, alienou metade e tinha ficado com 47,5%. Nos últimos valores declarados, a SAD já informou ter 48%. Qual foi a pertinência de aumentar, de 47,5% para 48%, a percentagem do passe de um jogador que acabou novamente dispensado?
Podem não ser quantias muito significativas em empresas que têm receitas e gastos superiores à centena de milhões de euros. Mas no caso de Otávio, desses 0,5% já estaríamos a falar de mais de 37 mil euros, tendo em conta o valor que o FC Porto gastou por 33% do passe. E no caso de Reyes, por esses 0,5%, à luz do que foi pago na transferência inicial, também estamos a falar de 35 mil euros.
Há empresários que não faturam 72 mil euros. E pode não ser uma quantia muito significativa, mas isso dependerá sempre do destino do dinheiro. Por exemplo, por mil euros o FC Porto comprou André Silva. Por 35 mil euros Jorge Mendes comprou 40% de Diogo Jota. Por 750 euros o Benfica comprou Renato Sanches. Por 30 mil euros o Sporting comprou Gelson Martins. E 72 mil euros pagam duas rendas anuais do centro de treinos do FC Porto no Olival. Com pouco é possível fazer muito. Como nota de curiosidade, também foram comprados mais 10% de Hernâni antes de ter sido sem surpresa dispensado. Com que sentido?
Portanto Otávio custou 2,5M€ e foi uma transferência tratada por Reinaldo Teles e Adelino Caldeira. Quando os adeptos discutem o mercado, fala-se um pouco de tudo, de Pinto da Costa a Antero Henrique, de Alexandre Pinto da Costa a Jorge Mendes, da Doyen a Luciano, mas esquecem-se que basta (aliás, é necessário) a assinatura de dois membros do Conselho de Administração para validar uma transferência. Neste caso, no contrato entre o FC Porto e o Internacional para a transferência dos direitos federativos de Otávio, foram Caldeira e Reinaldo a formalizarem o acordo.
O que O Jogo não explicou hoje foi quanto custa comprar mais de Otávio. Neste caso, o FC Porto tem a opção de comprar mais 35% do passe de Otávio por 5 milhões de euros, às entidades GE Assessoria Esportiva (20%) e ao pai de Otávio (15%). Importa dizer que estes 35% já estavam na posse das referidas entidades quando Otávio chegou ao FC Porto. Ou seja, o FC Porto não vai tocar na percentagem que toca ao Coimbra Esporte Clube/BMG, que assim continuará a ter 32% – isto desconhecendo a quem cedeu o FC Porto os restantes 0,5%.
Otávio ficaria assim a um custo de 7,5 milhões de euros por 68% (passados a 67,5%) do passe, além de encargos de 400 mil euros no momento da compra. É uma compra inflacionada, pois Otávio era um suplente do Internacional, sem percurso nas seleções brasileiras, no momento em que foi contratado.
Mas conforme foi opinado na altura, havia sentido desportivo na contratação de Otávio. Não era um Zé Manuel, um Sami ou um Anderson Dim (que chegou depois de Otávio, também via BMG, e a maioria dos adeptos já nem deve saber por onde ele anda – ou sequer que cá esteve). A qualidade, a classe e o potencial eram visíveis. Faltava o mais importante, e Otávio está a tê-lo: empenho, disponibilidade e humildade para aprender.
Sendo jogadores diferentes, tem qualidade como Quintero tinha, mas com uma mentalidade competitiva muito superior. Otávio não é um brinca na areia, não é o craque que pensa que já sabe tudo e o FC Porto tem todas as razões para estar satisfeito com o seu profissionalismo.
Obviamente que, há dois anos, Otávio não valia a avaliação de 7,5M€. São os riscos de começar por avançar para uma percentagem do passe e deixar as cláusulas de compra posteriores com uma grande inflação. Os otimistas poderão dizer que isso é uma maneira de proteger o investimento («É melhor ter dado apenas 2,5M€, e esperar para ter a certeza de que ia evoluir, do que dar logo 7,5M€»). Isso é altamente relativo. Não há partilha de risco no futebol, o risco está sempre em cima dos clubes. Walter é o perfeito exemplo disso – jogou pela última vez pelo FC Porto em 2011, mas no R&C do primeiro semestre ainda tinha contrato com a SAD, que tinha 15% do seu passe.
Otávio não custou nada na primeira época, pois a dívida ao CEC manteve-se inalterável até ao R&C do primeiro semestre de 2015-16. Os 2,5M€ entretanto já foram pagos, além dos 400 mil euros de encargos. Agora, a maioria dos portistas admitirá que Otávio merece o tal investimento de mais 5M€ por 35% do passe. Pois, mas talvez mereça pelo que é hoje, não pelo que era há 2 anos. Foi graças ao trabalho desenvolvido pelo FC Porto (e neste caso com uma pequena ajuda do V. Guimarães) que Otávio atingiu este nível. Agora, o custo de Otávio dobrou. E há casos em que até pode triplicar, como o de Gleison.
Otávio tem contrato por mais 3 anos, pelo que neste momento não há pressas para aumentar a percentagem do passe (nem a SAD devia comprar mais percentagem de passes antes de ter em mãos grandes propostas para venda). Mas é tempo de rever a forma como se permite que a percentagem do passe dos jogadores para compras futuras seja tão inflacionada. De 2,5M€ por 33% para 5M€ por 35% vai uma grande diferença. A avaliar por aquilo que eram as cláusulas das partes que não o FC Porto e o CEC, Otávio não estava a ser avaliado em 7,5M€ em 2014, mas sim em quase 15M€.
Que o Otávio siga a sua evolução e continue com a mesma e louvável postura. Se continuar assim, o investimento progressivo será um passo natural. Mas o FC Porto não tem que calcular a sua gestão de hoje para ontem, mas sim de hoje para amanhã.
PS: Luís Filipe Vieira disse durante o jantar de deputados benfiquistas com assento parlamentar que a sua SAD vai apresentar lucros pelo 3º ano consecutivo, o que disse ser um «feito único para os principais clubes portugueses.» Mentiu, pois a SAD do FC Porto conseguiu gerar lucros 5 anos consecutivos, entre 2006 e 2011. Os ares parlamentares fazem mesmo a boca fugir da verdade.
PS2: O empresário de Otávio, na sua entrevista a O Jogo, disse algo importantíssimo. «Ele diz que não há grupinhos no balneário». Mas por mais importante que isso seja, não basta haver sintonia no balneário, é preciso haver sintonia dentro de campo. E é algo que teremos forçosamente que ver contra o Tondela.