Estive lá. Estive lá com muitos amigos e, por isso, penso que posso falar com conhecimento de causa. Perante a contra-informação que por aí grassa, convém colocar os pontos nos iis e deixar bem claro a todos os portistas o que se passou na noite de 15 de Janeiro no Estádio Manuel Coimbra da Mota, no Estoril. Para que se perceba cabalmente o que sucedeu.
Antes de mais, dizer que o jogo começou, como sempre começa quando o FC Porto joga fora de portas: com centenas de portistas com bilhete, cá fora, à espera, a aguardar que as forças de seguranças lhes dessem autorização para entrar no recinto desportivo e terem acesso àquilo pelo qual pagaram: um jogo de futebol.
Este tipo de cenário acontece quase sempre que o FC Porto joga fora de portas. O objectivo só pode ser um: desmoralizar a massa adepta do nosso clube, impedi-la de irem aos estádios, desmotivá-los e querer que deixem de se deslocar país fora com a equipa. Ou se chega com 1 ou 2h de antecedência ou então, se tudo correr bem, perdemos certamente os primeiros 15 a 20 minutos da partida. Pede-se uma tomada de posição firme da nossa Direcção no sentido de que esta “brincadeira” acabe de uma vez por todas.
Mas vamos ao sucedido propriamente dito. Durante o intervalo, como é normal, vários adeptos portistas deslocaram-se às casas de banho, situadas no piso térreo da bancada dos visitantes. Ao verem a parede a rachar abruptamente à sua frente e com o abaixamento de um dos pilares de sustentação, os adeptos viram-se no meio de um filme de terror, entraram em pânico e precipitaram-se para a saída, sendo impedidos pelas forças policiais de o fazerem. Perante o pânico estampado na cara dos adeptos, a polícia prontamente abriu as grades e deixou os vários adeptos sair do estádio.
Quem estava na bancada, apercebendo-se do ruído lá fora e um certo abaixamento da bancada, começou a estabelecer diálogo com os que fugiam. E foi aí que a esmagadora maioria das pessoas se aperceberam do que se passava. Palavra passa a palavra, a ordem foi clara: “a bancada está a cair, fujam, fujam”. Colocado por escrito parece fácil, mas no momento viveram-se momentos terríveis.
Mas sair? Sair por onde se as pessoas dos lugares mais acima vinham a descer abruptamente degraus e cadeiras por aí abaixo? Para alguns imediatamente se viu que seria impossível sair pelo interior da bancada, pelo que restava uma solução: sair para o relvado.
Por momentos lembrei-me de Hillsborough, do Heysel. De início as forças de segurança tentaram impedir a invasão de campo, sendo que depois finalmente se aperceberam da gravidade da situação. É bom que se diga que os adeptos do FC Porto geriram a saída do estádio sozinhos, sem colaboração propriamente dita das forças de segurança, que apenas se limitaram a recolher pessoas de mobilidade reduzida da bancada para o relvado. Foi dada prioridade a mulheres e crianças, pediu-se contenção para que não se empurrasse atrás e, aos poucos, com a entre-ajuda dos vários portistas, lá se conseguiu evacuar a bancada em poucos minutos e sem problemas de maior.
Depois veio ao de cima o melhor que já vimos no futebol nacional, com milhares de portistas concentrados em metade do relvado a festejar o facto de nada de grave ter sucedido e a aproveitar para entoar cânticos de apoio ao clube, numa manifestação pura e espontânea de amor clubístico, tudo dentro da normalidade e com respeito por todos os adeptos do Estoril. Reuni-me no relvado com amigos de longa data, colegas de trabalho, deu para ver caras conhecidas, distribuir abraços, fazer a festa. Enfim, um dia que tão cedo não esqueceremos!
Foi talvez o único jogo das nossas vidas em que podemos dar graças a Deus pelo facto do FC Porto não ter marcado um golo. Se o tivesse feito, os nossos festejos poderiam ter sido fatais. Se a bancada tivesse de facto ruído, além de Entre-os-Rios e Pedrógão, teríamos hoje um novo palco de lágrimas e flores: Amoreira. Por sorte, as coisas correram bem e é certo que não veremos Marcelo Rebelo de Sousa a distribuir beijinhos pelos adeptos portistas. Já sabemos que em Portugal só se tomam decisões quando há tragédias e mortes por contabilizar; quando não há mortes nem choros, passa-se por cima e em breve tudo isto não passará de uma memória difusa.
É pena que assim seja, porque há aqui factos que convinha esclarecer. Primeiro, foi o anterior Vereador do Desporto da CM de Cascais (João Sande e Castro) a questionar, num post de facebook, como foi possível edificar ali uma grande bancada, visto que não tinha sido possível construir anteriormente uma piscina, pois o local situava-se em leito de cheia e de reserva agrícola, onde passa uma ribeira. Além disso, refere o mesmo ex-veredador que em 12 anos foi necessário reparar por 3 vezes os campos sintéticos contíguos devido a abatimentos no solo.
Referiu ainda posteriormente que a instabilidade daquele terreno era conhecida pela CM de Cascais e pelo próprio Estoril-Praia. A CM de Cascais já se demarcou da confusão, dizendo que a obra foi analisada por vários técnicos e alvo de vistorias da própria Liga de Clubes.
Pouco depois, começaram as desculpabilizações: sugeriu-se que o terramoto de Arraiolos, que não fez cair um copo de nenhum prateleira de todo o Alentejo, tinha sido responsável pelo aluimento no Estoril. O jornal A Bola, verdadeiros criminosos encartados, ainda arriscaram afirmar que os Super Dragões, que se portaram como verdadeiros senhores, teriam furtado coisas que ninguém viu ou ouviu falar.
No meio disto tudo ninguém diz o óbvio: houve um total desrespeito por cerca de 2.500 vidas humanas na passada segunda-feira e só não ocorreu uma tragédia de dimensões colossais naquela fria noite de Janeiro de 2018 por mero acaso divino. No meio de tudo isto, o Estoril-Praia e a Liga de Clubes ainda têm a lata de solicitar que a segunda parte se realize, quando podíamos estar a falar de um encerramento compulsivo da actividade deste clube por não cumprir com o mínimo de regras de segurança. E logo o Estoril-Praia, preocupado com estes 3 pontos, quando no campo tem perdido quase todos eles.
Portugal é um país de impunidade, da política aos negócios. Não sabíamos que a impunidade havia passado agora para o perigoso e pantanoso terreno da construção civil, onde podem suceder tragédias.
Uma coisa podemos perguntar e deixar no ar: se o Estoril tem um estádio mais seguro e mais amplo no Algarve, porque não propôs atendendo à enchente que se avizinhava, – sim, meus caros, habituem-se à ideia de que o FC Porto enche estádios por esse país fora, mesmo na região de Lisboa, onde o portismo está de facto implantado e veio para ficar – que o jogo se realizasse no seu outro estádio? Porque se desrespeitou a vida destes milhares de adeptos portistas? Porque é que se colocou cimento fresco à pressa nos dias anteriores ao jogo? Afinal as autoridades e os responsáveis estorilistas sabiam ou não sabiam do risco em que corriam se a bancada enchesse? Em que é que ficamos?
Para a história ficará este dia em que os portistas pela primeira vez ficaram felizes pelo facto do FC Porto não marcar um golo. Se o tivesse marcado, seria provavelmente o golo mais terrível da sua história.
Assim sendo, resta apenas finalizar desta forma: ganhem vergonha na cara, meus senhores! Num país normal, o Estoril, a Liga e a CM de Cascais assumiam as culpas, pediam desculpas de joelhos e davam por terminado o jogo com derrota por 0x3 para os homens da casa. Outra solução que não esta será um atentado aos adeptos e aos espectadores do desporto-rei, que viram as suas vidas em risco durante 45 minutos. Repito: TENHAM VERGONHA!
Rodrigo de Almada Martins By: https://bibo-porto-carago.blogspot.pt/2018/01/estoril-toda-verdade.html?m=1