CARTA ABERTA A IKER CASILLAS
Iker, desculpa-nos. Os adeptos e sócios do FC Porto que admiram a tua postura, a tua simplicidade, a tua humildade, pedem-te desculpa. Quando tomaste a decisão de vir para o nosso clube estamos certos que não esperavas esta vergonha. E nós, adeptos e sócios, não esperávamos que fosse esta vergonha que te tinhamos para oferecer.
A tua carreira merecia mais que isto. Era certo que sabias que o FC Porto não era o Real Madrid. Não poderia ser um Real Madrid no campeonato português. Mas era até há pouco tempo um clube que nos orgulhava e te podia orgulhar a ti.
Até há pouco tempo o FC Porto não nos envergonhava mesmo quando perdia. Agora envergonha-nos até quando ganha.
Está junto ao banco da equipa (não digo senta-se no banco porque raramente se senta, assim como não podemos dizer que orienta a equipa, porque só a desorienta) um compatriota teu. Ele não esteve cá sempre.
Antes dele tivemos grandes treinadores e treinadores sofríveis. Antes dele tivemos equipas com jogadores crescidos em vilas de pescadores e que ganharam titulos europeus. Tivemos alguns craques e artistas da bola que se fizeram grandes no mundo do futebol. E com isso ganhámos e perdemos. Jogámos bem e jogámos mal.
Mas nunca tivemos um tão grande desperdício de talento.
A culpa não é tua, Iker. Nem de nenhum outro jogador.
Tu sofres golos porque a equipa está completamente desnorteada. O Maicon entrega a bola aos adversários, o Brahimi agarra-se a ela como se fosse só dele, o Imbula (o tal que valia 22 milhões) não acerta uma, o Aboubakar não acerta na baliza, o Bueno parece malo, o Sérgio Oliveira esfumou-se, o Tello não joga patavina, o Herrera parece que desaprendeu, o Martins Indi já não é um titular da selecção da Holanda mas é apenas um tipo que nasceu no Barreiro.
A culpa não é deles, nem tua, Iker. São todos bons jogadores, mas para jogarem contra 11 têm de ser uma equipa. Não podem ser um conjunto de gajos desenrascados dentro do campo. Quando uma equipa é forte e rotinada, os erros individuais são absorvidos. Quando uma equipa é fraca e esquizofrenica, espera-se que um rasgo individual resolva. E têm sido tantos rasgos individuais a resolver. Algumas defesas portentosas por ti, Iker. Algumas jogadas fabulosas do Brahimi, Alguns passes de génio do Ruben. Alguns golos de raiva do Aboubakar. Algumas fintas do Corona. Acima de tudo, alguma raça do André André, mais um pescador. Mas isso não é uma equipa.
Junto ao banco temos um tipo que grita, esbraceja, gesticula. Logo a partir dos 30 segundos de jogo. Como se afinal tudo o que vos mandou fazer quando planeou o jogo estivesse mal. E está sempre. Sempre mal. E grita. Manda fazer não se sabe o quê. Muda tudo, E volta mudar. Não apenas no jogo seguinte, mas durante o jogo. Várias vezes. Porque nenhum de vocês percebe o que ele quer. Nenhum de vocês se desmarca. Nenhum de vocês parece correr. Nenhum de vocês parece já lembrar-se de que para que serve uma baliza.
Valha-nos que o homem é teu compatriota e tu deverias conhecê-lo melhor que nós. Compatriota não sei, é basco. Estou certo que nunca desejaste tanto a independencia do País Basco como agora. Preferias que ele não fosse espanhol. Para que não digam, que queres Casillas? Ele é espanhol como tu. Espanhol não!, deve apetecer-te responder, Basco! Livra…
Antes quando perdiamos, tinhamos treinadores em quem viamos fúria nos olhos e que sabiamos que a próxima equipa ia pagá-las. Sabiamos que não perdiamos duas vezes seguidas. Sabiamos que os jogadores saíam de campo como se lhes tivessem pegado fogo à casa e roubado tudo o que tinham. Sabiamos que no próximo jogo ganhavam. Sabíamos que o adversário seguinte tinha medo.
Hoje toda a gente se habituou ao discurso ridiculo da “ilusión”. Temos ilúsion que vamos ganhar. Temos ilúsion. Lopetegui devia saber que ter a ilúsion em português tem um significado diferente. Não é um sonho, é mais uma utopia. Seja como for, antes no FC Porto não tinhamos ilusões. Tinhamos certezas.
Talvez agora também as tenhamos. Temos a certeza que isto não é o FC Porto, Iker, que planeámos dar-te. Acredita-nos.
Fonte: Sérgio Gandarela Sousa