Exmos srs,
Escrevo-vos esta carta, enquanto sócio e adepto daquele que, para mim, é o melhor clube do mundo, o Futebol Clube do Porto. Escrevo-a porque são os srs. que comandam os destinos do clube que eu amo e, por maioria de razão, os derradeiros responsáveis por tudo, de bom ou de mau, que acontece no clube.
Olhando para trás, não me posso queixar: vivi a conquista de uma Liga dos Campeões e falhei outra por meros oito dias, uma Taça Uefa, uma Liga Europa, uma Taça Intercontinental, uma Supertaça Europeia, um penta, um tetra e um tri e mais uma série de campeonatos, Taças de Portugal e Supertaças. Pelo facto, agradeço-vos.
Ainda assim, permitam-me que teça alguns comentários sobre o que se vem passando no clube nos últimos anos. Desde muito novo fui habituado a ouvir os maiores elogios à estrutura do clube. Cresci, portista, sabendo que ninguém sequer se atrevia a “pisar-nos os calos”, sem perder pela demora e levar uma resposta cabal. Acostumei-me a um clube onde os atletas e os técnicos eram protegidos e defendidos a qualquer custo, com os dirigentes a dar a cara. Hoje só aparecem nos bons momentos ou em entrevistas encomendadas. Quando não convém, fogem como ratos. Não era nascido quando perdíamos os jogos logo depois de passar a ponte, mas vivi com especial prazer o tempo em que bastava atravessá-la para por “Lisboa a arder”. Cresci a admirar o Porto, a viver o Porto. A idolatrar o Vítor Baía, o Kostadinov, o Domingos, o Jardel, o Deco ou o Lucho Gonzalez. A ver monstros sagrados do meu querido clube a sofrer dentro de campo tanto ou mais do que eu, fora dele, a ver os jogos, como o Jorge Costa ou o João Pinto.
Todavia, não posso deixar passar em claro aquela que tem vindo a ser a estratégia seguida pelos senhores nos últimos anos. Para além de uma gestão financeira ruinosa, baseada em gastar aquilo que se tem e não se tem e altamente dependente de vendas de altetas, com consequências, não só na SAD, mas também no clube – e que desgosto me deu ver o Pedro Gil pedir para lhe pagarem o que lhe deviam após marcar um golo – torna-se evidente o desleixo com que se tem gerido a parte desportiva. De facto, numa altura em que gastámos dinheiro como nunca no reforço do plantel, vemos que este tem sido construído de forma totalmente desequilibrada. Falcao, que nunca teve suplente à altura foi substituído por… Kleber. Moutinho por Herrera. James por Licá, que nem extremo é. Fernando não tem alternativa desde o tempo da televisão a preto e branco. Danilo e Alex Sandro jogam sempre porque não há ninguém para jogar no lugar deles. Houve 9 milhões para contratar um central, quando tínhamos quatro no plantel e, pelo meio, vender metade do seu passe a um fundo de quem não se conhecem os donos, mas não houve para um extremo de alto nível. Castro brilha por onde passa, mas como não custou 8 milhões, nem oportunidades tem. Temos a defesa mais cara da nossa história e, arrisco-me, de todo o futebol português, e sofremos golos como há muito não sofríamos.
Somos cada vez mais um entreposto de atletas. Eles vêm e vão, perdendo-se assim a mística do Futebol Clube do Porto. Compreendendo eu a necessidade de vender, não posso aceitar a forma como o portismo foi arrasado do clube. Quando eu era miúdo, e, dada a minha total inabilidade para dar uns chutos na bola, ia para a baliza e defendia uma bola, (ou ela me batia, para ser mais exacto), eu gritava BAÍÍÍÍÍÍÍÍÍA. Quando o Porto jogava mal, eu via um Jorge Costa a mandar dois berros dentro do campo e a por toda a gente em sentido. Hoje não. Os srs. deram uma tremenda machadada na garra do Porto e, como se não bastasse, ainda conseguiram limpar do clube a maioria destes símbolos. Jorge Costa foi empurrado para fora do clube de forma vergonhosa. Voltou, mesmo assim, e… fizeram-lhe o mesmo. A Vítor Baía, prometeram-lhe um jogo de despedida. Até hoje. Jardel pediu que lhe fizessem o mesmo. Foi ignorado. Deco, numa pausa do campeonato brasileiro foi melhor recebido em Barcelona do que no Porto. Lucho, inclusivamente, saiu por se sentir parte do problema e incapaz de o resolver sozinho. E poderia continuar, mas não vale a pena.
É chegada a hora de mudar alguma coisa. É chegada a hora de acabar com o disparate. É chegada a hora dos dirigente principescamente pagos e que até prémios por segundos e terceiros lugares já se arrogaram a receber, fazerem por merecer esse ordenado. É chegada a hora de acabar com os parasitas que vivem à custa do clube. É chegada a hora de acabar com comissionistas, empresários amigos, filhos e ex-cunhados. É chegada a hora de tornar o Porto financeiramente viável. É chegada a hora de respeitar os atletas das modalidades e o ecletismo do clube. É chegada a hora de acabar com as negociatas com fundos obscuros. É chegada a hora de honrar os nossos símbolos. E, acima de tudo, é chegada a hora de respeitar aqueles que gastam o seu dinheiro e o seu tempo com o clube, aqueles que vos dão o dinheiro que vos alimenta os vícios e vos enche os bolsos, aqueles que são, apenas e só, Portistas. Por amor e convicção. Esta é a pior época dos últimos trinta anos. Mude-se, então. E, já agora, alguns dos srs., mudem-se. Daqui para fora. Para bem longe do meu Porto. Para que vergonhas como a de ontem não se repitam.
Com os melhores cumprimentos,
João Ferreira