Os portistas habituaram-se a usar o Artmedia como um forte exemplo para as surpresas que podem acontecer na Liga dos Campeões. Esta equipa eslovaca só foi uma vez à Champions e só lá venceu um jogo. Foi no Dragão, depois de estar a perder por 2×0, num jogo em que fez apenas e literalmente 3 remates em todo o jogo.
Foi chocante, mas como os resultados têm o poder de turvar a memória das exibições, há quem se esqueça da postura do FC Porto nesse jogo. Com uma grande exibição de Diego, o FC Porto deu espetáculo durante largos minutos. Rematou que se fartou: 28 remates ao longo da partida, dos quais 12 foram à baliza. O guarda-redes adversário fez uma grande exibição. Houve 13 cantos, 66% de posse de bola, bem mais de 60 ataques. O problema foi uma equipa completamente esburacada na defesa, com Ricardo Costa a fazer o pior jogo de que há memória, e muito desacerto no ataque, sobretudo por McCarthy. Mas o FC Porto criou muitas, muitas ocasiões de golo, esteve sempre a atacar e perdeu por culpa da matreirice 100% eficaz do Bratislava.
Ontem não aconteceu nada isso. O FC Porto não ganhou ao Copenhaga porque simplesmente não fez quase nada para isso. O guarda-redes do Copenhaga volta à Dinamarca com apenas uma defesa para registo. Uma. Uma defesa em todo o jogo, e não foi por o FC Porto ter rematado muito ao lado – foi por ter rematado pouco (7 dos 10 remates que fez foram de fora da grande área, o que diz tudo da incapacidade do FC Porto em aproximar-se dos últimos 18 metros). Não foi, ao contrário do que disse Nuno, por falta de eficácia que o FC Porto perdeu o jogo. Foi por falta de qualidade. Falta de eficácia surge quando uma equipa está sistematicamente a atacar, a procurar a baliza adversária, remata e cria ocasiões de golo. O FC Porto pouquíssimas vezes fez isso. Não ganhou porque não fez o suficiente para tal.
Podemos recuperar duas frases sobre os dois jogos anteriores: «Muitas vezes, goste-se ou não de o ouvir (na verdade, ninguém gosta), o FC Porto está a jogar como equipa pequena». «O FC Porto tem que ter a capacidade de descansar com bola, de manter a posse como forma de gerir a vantagem, ao invés de deixar de pressionar. Sobretudo porque fazer isto com 3×0 no marcador não será a mesma coisa do que tentar fazê-lo com 1×0. Livrem-se.»
Assim foi. O FC Porto não tem a dimensão física do Copenhaga, é um facto. Mas um FC Porto que não pressiona, que fica na expetativa no Dragão, que não procura ter bola e que deixa o adversário avançar até aos últimos 35 metros, para depois recuperar a bola e sair para contra-ataque (sem sucesso), é algo que nunca vimos neste estádio. Já jogámos melhor, já jogámos pior, mas nunca jogámos com princípios de jogo assim.
Infelizmente, cada vez mais há portistas a viverem na bipolaridade dos resultados. Tudo está bem quando se ganha, e torna-se inaceitável criticar o quer que seja quando a equipa ganha; e tudo está mau quando se perde (o blogue tem sempre muitos mais comentários em dias de maus resultados do que quando o FC Porto vence – e o tom até leva a que a maior parte deles não sejam publicados). Este ciclo já é bem conhecido e também se aplica ao treinador. A quem dificilmente poderão ser cobradas faturas muito elevadas, conforme se opinou no «Manifesto da fé possível».
Nuno Espírito Santo vai acabar, aos olhos mais genéricos, por estar sujeito ao mesmo que qualquer outro treinador do FC Porto. Se ganhar, maravilha, vai ser sempre elogiado, vão sempre descobrir-lhe mil e uma qualidades; se perder, não presta e já se começa a discutir a troca de treinador antes do natal. O FC Porto habituou-se a este ciclo e vai-se tornando um cemitério de treinadores.
A verdade é que Nuno Espírito Santo tem poucas ou nenhumas responsabilidades se esta ideia de jogo não corresponder às expetativas da maioria. Está a jogar como jogou no Rio Ave, está a jogar como jogou no Valência (onde na primeira época acabou por haver evolução, para muito melhor, antes da regressão da época seguinte). É simplesmente impossível exigir a Nuno Espírito Santo que faça no FC Porto o que não fez nas épocas anteriores. Isto não é uma época de tudo ou nada para o FC Porto, desculpem, mas não é. Se fosse, o treinador não seria Nuno Espírito Santo, nem a pré-época seria tão mal preparada e gerida. É uma época em que a surpresa será chegar ao título, e não o contrário.
Subitamente, já se critica Nuno Espírito Santo por trocar jogadores e mudar de tática de um jogo para o outro. Exatamente o mesmo que Lopetegui ouvia há dois anos. Mas não deixa de ser curioso que o treinador que mais jogadores mudava no FC Porto, e que também alternava o sistema tático entre o Campeonato e Champions, chamava-se José Mourinho. E ninguém se queixava, porque tinha resultados e bom futebol, com uma dinâmica que procurava sempre o golo e a vitória.
O problema nunca será a tática ou as peças que Nuno Espírito Santo escolher. Será isso sim a ideia de jogo, os princípios de jogo, a dinâmica da equipa. E baixar as linhas para um bloco recuado, estando a jogar em casa contra o Copenhaga, sendo incapaz de criar uma boa jogada para chegar ao empate na segunda parte, contra 10, nem sequer tendo critério para sair para o ataque… É muito pouco.
Quase que foi um sacrilégio afirmar que as expulsões da Roma tiveram forte influência na forma como o FC Porto chegou à Champions. Pois tiveram sim senhor. O apuramento não se deveu unicamente às expulsões, mas foi alcançado muito graças às expulsões. Em 3 jogos de Champions já houve 4 expulsões a favorecer o FC Porto. Em todo o campeonato português, se calhar não vamos chegar a tanto. Mas desta vez, o FC Porto não conseguiu aproveitar a superioridade numérica.
Era difícil, compreende-se, impor-se no jogo pela dimensão física. O Copenhaga teria sempre jogadores mais fortes, mais altos, e o FC Porto tinha várias formiguinhas em campo. Mas deixar de pressionar o adversário, deixar de tentar ter bola no meio-campo adversário, deixar André Silva quase isolado na frente enquanto os médios e os alas estão 30 metros atrás (e sem saírem para o contra-ataque, no 4x5x1 com que o FC Porto chegou a jogar), não criando ocasiões de perigo… Isto não se ajusta ao FC Porto.
Nuno Espírito Santo destaca que o FC Porto conseguiu «meter a bola na área com critério». Mas a equipa fez apenas 3 remates na grande área, e o guarda-redes do Copeganha praticamente só teve que sair a cruzamentos (foram 37 no total, mas nenhum que levasse açúcar para André Silva, Depoitre e companhia – e nem faria sentido insistir por esta via, pois o Copenhaga é mais forte pelo ar no momento defensivo).
Não basta o crer, a ambição e a garra. O portismo não ganha jogos, a competência sim – sendo que o portismo pode dar aquele empurrão extra. E esta ideia de jogo, se não for fortemente revista por Nuno Espírito Santo, não tratá nada de bom ao longo desta época. A dizê-lo é agora, quando a época está no início, não é depois de uma série de maus resultados. Porque fazer balanços no final é fácil, mas assumir os alertas quando ainda estamos em estado de graça, isso sim, é mais difícil. O treinador não pode ter medo. Não tem nada a perder. Ontem, por ter medo de perder, foram-se dois pontos e um milhão de euros.
Isto não é de todo isolar responsabilidades em Nuno Espírito Santo, que não será nunca, de todo, o responsável por qualquer insucesso esta época. Não pode dar mais do que as condições que tem ou do que o próprio já mostrou na sua carreira. Se conseguir ir aos 1/8 da Champions e estar na luta pelo título nacional até ao fim, já será um superar de expetativas face às condições que estavam previamente reunidas. A época é longa, tanto FC Porto como Benfica ou Sporting vão ter momentos melhores ou piores, mas desde o início da pré-época ainda não vimos um produto que deixe sonhar com grandes feitos. Pode haver evolução? Com certeza que sim, e vai haver. Porque menos do que isto é difícil dar. Por aqui, continuar-se-á a destacar as coisas que precisam de ser melhoras, seja após uma derrota, seja após um empate, seja após 10 vitórias consecutivas. Nuno vai ser, tem que ser, o treinador até ao final da época, logo temos que nos focar naquilo que pode e deve ser melhorado.
Não se pode exigir o título a um treinador inexperiente e que se estreia neste patamar, a um plantel que é jovem, que não teve nenhum jogador particularmente valorizado na última época (na perspetiva de uma mais-valia), que tem caras novas e jogadores que precisam de tempo para evoluir e render. Mas há uma coisa que nunca poderemos deixar de exigir: que deixem claro que deram tudo, tudo que estava ao alcance para ganhar o jogo. Ser Porto não é ganhar sempre, mas tem que ser lutar sempre para ganhar. O FC Porto ontem não o fez.
Uma nota positiva para o grande golo de Otávio, assistido por André Silva. A espaços foram-se vindo algumas coisas positivas de Layún, Danilo ou Óliver, mas é difícil destacar grandes coisas do jogo de ontem. Foi mau.
Na próxima jornada o FC Porto vai a Leicester, Inglaterra, onde nunca ganhou. Em 17 jogos perdeu 15, e os dois que empatou foram com golos em cima do minuto 90 (Mariano e Costinha). Na casa do campeão inglês, um ponto já seria excelente e bem vindo. Uma coisa é a ambição de ganhar, outra é o realismo dos objetivos que podem ser alcançados. Sobretudo quando uma equipa, após o 1×0, se fecha atrás e passa a jogar como equipa pequena. É uma coisa que estávamos habituados a ver no Estádio do Dragão, mas não na equipa da casa. Agora segue-se o Tondela. Se não for pedir muito, que o FC Porto não jogue em Tondela como o Tondela jogaria no Dragão. Os três pontos virão por acréscimo. O FC Porto ontem foi, como disse Nuno, uma equipa que não quer ser. E que nunca poderá ser.