« André Villas-Boas. De jovem calado a treinador carismático,
eis o raio-X ao aspirante a presidente do FC Porto
17 jan, 2024
Inês Braga Sampaio , Luís Aresta , Pedro Castro Alves ,
Sérgio Costa com Redação
Adepto de sempre, antigo treinador e, agora, pretendente a
assumir as rédeas do clube como um todo. A Renascença traça o perfil de
“AVB” e mede o pulso à opinião dos adeptos, no dia em que apresenta a
candidatura às eleições de abril.
Foto: Jose Sena Goulao/Lusa
Reservado, próximo de todos, com o dom da palavra, atento ao
detalhe. Eis André Villas-Boas, o homem por trás do do adepto, do treinador e
do aspirante a presidente do FC Porto.
Antes de mais, contextualizemos. Villas-Boas apresenta, esta
quarta-feira, a candidatura à presidência do clube que apoia desde a infância,
que treinou na época 2010/11, com enorme sucesso, e que até chegou a defrontar
enquanto adversário. Não é só um possível “presidente-adepto”, pois
conjuga a paixão com o conhecimento profundo do jogo e, por experiência
própria, do funcionamento do clube.
O amor ao FC Porto começou no berço. A relação com o futebol
deu os primeiros passos no Colégio de Nossa Senhora do Rosário, no Porto. Assim
recorda Joaquim Magalháes, mais conhecido como Quim Espanhol, que o treinou,
ainda adolescente, nos seniores do Ramaldense.
“Um grupo de alunos do Rosário pediu ao diretor do
Ramaldense para formarem lá uma equipa, com o nome do Ramaldense, claro. Eu era
treinador dos seniores e eles eram juniores. Eu treinava contra os juniores do
Ramaldense. Pedi ao treinador deles se me dispensava três ou quatro jogadores,
porque gostava de vê-los jogar”, recorda.
Um desses jovens era André Villas-Boas, confirma à
Renascença. Um jovem com paixão pela posição de guarda-redes mas sem queda para
tal. Quim Espanhol colocou-o a médio, para que pudesse fazer “aqueles
passes longos para os avançados”.
“Há quem diga que ele não tinha jeito, mas ele era
bom”, garante Joaquim, que também se lembra que já na altura o jovem André
“andava nas camadas jovens do FC Porto com o antigo treinador, Bobby
Robson”.
A história é conhecida e nasce do facto de, à altura,
Villas-Boas morar no mesmo prédio que o então treinador do FC Porto. Uma vez,
encheu-se de coragem e, numa daquelas viagens de elevador que demoram mais tempo
que qualquer conversa forçada sobre sol e chuva, explicou-lhe, tintim por
tintim, por que razão Domingos Paciência devia jogar mais.
Aconteceu em 1994. Em 1995, o FC Porto foi campeão nacional,
com 17 golos do antigo avançado internacional português – 27 em todas as
competições -, que até à sétima jornada nunca tinha jogado e terminou a época
como quarto jogador mais utilizado por Robson.
Foto: Jose Manuel Ribeiro/Reuters
Apesar deste episódio, Quim Espanhol recorda André
Villas-Boas como um jovem “muito reservado, muito calado”.
“Tanto é que, num jogo estávamos a perder ao intervalo,
e ele estava cabisbaixo no balneário e eu tive de lhe dar um abanãozito:
‘Acorda, pá, vamos lá ganhar isto!’ E ganhámos o jogo. Portanto, era uma pessoa
muito calada na altura. Agora até fala demais, se calhar, não sei. Sei é que é
um senhor do futebol português”, enaltece.
Talvez o abanão de Joaquim Magalháes tenha ajudado André
Villas-Boas a sair da casca, porque, quase 20 anos depois, tornou-se um
treinador carismático: “Muito motivador, tem o dom da palavra. É um dos
pontos fortes do André, estar muito ativo no treino e com as pessoas.”
Assim se lembra Emídio Rafael, contratado pelo técnico para
a Académica e, depois, para o FC Porto. À Renascença, especula que Villas-Boas
tenha aprendido com o exemplo de José Mourinho, cuja equipa técnica integrou no
Dragão, assim como no Chelsea e no Inter de Milão.
O antigo lateral fala de “uma pessoa extremamente
próxima, não só como treinador”.
“Sempre foi uma pessoa próxima, que gostava de saber a
vida privada dos jogadores. Foi uma das melhores características que ele teve e
criou logo muito impacto. A gente às vezes até brincava que a proximidade dele
fez com que gostássemos dele, queríamos lutar e ganhar por ele”, explica.
André Villas-Boas dá, André Villas-Boas tira. Dezassete anos
depois de ter contribuído decisivamente para a reafirmação de Domingos
Paciência como um histórico do FC Porto, o então jovem treinador, de apenas 32
anos, derrotou-o, no dia 18 de maio de 2011, e impediu-o de conquistar a Liga
Europa ao comando do Sporting de Braga.
Esse troféu europeu, o último do FC Porto, foi o culminar de
uma das melhores épocas da história do clube, que também conquistou campeonato
– o da famosa celebração numa Luz às escuras e com a rega ligada – e Taça de
Portugal.
Villas-Boas era um treinador “muito ativo”, no
treino e com as pessoas: “É muito pormenorizado nas coisas, tanto se
importa com os administradores e os jogadores, como com o roupeiro e o senhor
da relva.”
Villas-Boas como adjunto de José Mourinho. Foto: DR
Esta dedicação e proximidade poderá ajudá-lo e até ficar
mais vincada como presidente, garante Emídio Rafael, que recorda que o
treinador “sempre respirou Porto”.
“Via-se isso em tudo o que ele fazia e dizia. Ele vivia
o clube todos os dias, dava 200% todos os dias”, sustenta o antigo defesa,
que vê “facilmente” Villas-Boas como presidente do FC Porto:
“Tem perfil e uma vontade enorme de servir o Porto.”
Assim se cria o primeiro candidato, em quase meio século,
que gera entre os adeptos a sensação de que poderá, eventualmente, destronar
Jorge Nuno Pinto da Costa. O atual presidente ainda não anunciou a
recandidatura, embora se afigure como provável que tente estender o mandato
para lá dos 42 anos.
A insatisfação entre os sócios do FC Porto é crescente. Em
causa estarão as vendas de jogadores abaixo do valor que os adeptos lhes
atribuem, jogadores que saem a custo zero e eventual menor capacidade
financeira, com possíveis implicações na qualidade do plantel.
Apesar disso, nos últimos seis anos, o Porto conquistou três
campeonatos, três Taças de Portugal, três Supertaças e uma Taça da Liga, além
de ser presença assídua na fase a eliminar da Liga dos Campeões.
Longe vão os tempos do pentacampeonato, ou até de
bicampeonatos, porém. Foi precisamente André Villas-Boas que arrancou para a
última sequência vitoriosa do FC Porto. Foi em 2010/11, a época da famosa
“cadeira de sonho”, que, depois, deixou para o co-piloto Vítor
Pereira. Este mudou-se do banco da direita para o da esquerda, pegou no volante
e acelerou para mais duas ligas, rumo ao tricampeonato.
Villas-Boas foi para Inglaterra conduzir carros com volante
à esquerda. Viajou pela Rússia, pela China e por França, experimentou as areias
do Dakar – aí, sim, ao comando de um carro a sério – e, agora, regressa à casa
de partida.
Os adeptos insatisfeitos com o rumo recente da administração
de Pinto da Costa entusiasmam-se com um candidato com história de vitórias no
clube, jovem e popular, que não esconde o seu portismo.
A Renascença pegou no estetoscópio e foi auscultar as opiniões
de vários adeptos do FC Porto, homens e mulheres.
A voz do adepto do FC Porto: André Villas-Boas
Para alguns, “há demasiados vícios” de pessoas que
“já lá estão há demasiado tempo”, pelo que o clube “só ficava a
ganhar com uma pessoa que também gosta do clube, mas tem novas ideias”,
além de que “demonstrou que é ganhador”. Seria “ouro sobre
azul”.
“Há uma vontade de mudança”, dizem outros, porque
“tudo tem um fim”, e uma senhora afirma mesmo: “Está na altura
de Pinto da Costa calçar as pantufas e ir para a lareira.”
Há quem se revolte contra André Villas-Boas, porém:
“Ele está a ser o maior traidor que existe em Portugal, principalmente na
cidade do Porto. Porque ele não tinha onde cair morto e foi o Porto que pegou
nele e fez dele homem, e agora ele está a fazer isso a um presidente que lhe
deu a mão.”
Divisão de opiniões como nunca se viu nos últimos 41 anos do
FC Porto. Pela primeira vez, há a sensação de que Pinto da Costa pode mesmo ser
derrotado – ou não. O voto dos sócios o dirá.
Sócios esses que, esta quarta-feira, poderão também ver o
ilustre Jorge Costa, campeão da Europa em 2004 e histórico do FC Porto, lado a
lado com André Villas-Boas, na Alfândega do Porto, no momento da formalização
da candidatura: “Cá estarei.”
Apresentação marcada para as 19h00, com vista ao ato
eleitoral de abril, em que Villas-Boas terá como adversários Nuno Lobo e,
previsivelmente, o “presidente dos presidentes”, conforme o
ex-treinador lhe chama: Pinto da Costa.»
RR
Este artigo foi originalmente publicado neste site