O antigo guarda-redes do
FC Porto Américo, o meu amigo senhor Américo Ferreira Lopes, se fosse vivo
faria hoje 91 anos. Nascido que foi a 27/02/1933, tendo falecido o ano passado
a 22/09/2023. Sendo assim neste ano o primeiro aniversário que não passa em
vida, mas contudo continua vivo na memória de quem o admirou em vida e o tem
como constante recordação.
Como homenagem, evoca-se
sua memória através de duas entrevistas que lhe foram feitas em tempos, há
muitos e bons anos, por serem sintomáticas e extravasarem o muito que aqui
neste blogue lhe fomos dedicando.
De uma página intitulada
“Tovar F. C”, em peça de 2020, pode repescar-se uma entrevista que por sinal
tem ilustração cimeira com uma imagem retirada do meu blogue “Memória Portista”:
«…Impõe-se uma entrevista
com o senhor keeper, vencedor da 1.ª divisão em 1959 e da Taça de Portugal
1968, sempre no Porto, onde acumula 255 jogos, com mais vitórias que derrotas
(150-45) e um número curioso de partidas a zero (101) em tempos idos, com
Eusébio no Benfica, Matateu no Belenenses e Figueiredo no Sporting. Pelo meio,
15 internacionalizações pela seleção A (mais 1 pela B) e ainda a tal
convocatória para o Mundial-66, juntamente com outros dois portistas (Festa e
Custódio Pinto). Como se isso fosse pouco, Américo joga com José Maria Pedroto
e é treinado por ele.
Atenção, Américo é um
doutor a falar. Animado, vivo, bem-falante e dotado de uma memória de elefante,
responde-nos em direto da Rua Ribeirinho 58, em São Paio de Oleiros. É ele o
proprietário e gerente da Clínica Boa-Hora, fundada por si no dia 6 de Março de
1989.
– Como é que chega ao FC
Porto?
Um dia, em 1949, decidi
apresentar-me aos treinos do FC Porto, ali na Constituição – só pouco depois é
que fomos para as Antas. Fui de olhos fechados, sem saber muito bem o que
apanhar pela frente. Achava que tinha mérito para jogar na equipa da minha
vida. Fui lá e conquistei o meu espaço. Joguei dois anos nos juniores e depois
subi à primeira equipa, um sonho tornado realidade. Só via Porto à minha
frente. Agora está a ver, um jovem de 16 anos vê o sonho de uma carreira à
frente e não mais o larga. Aconteceu comigo e ainda hoje me sinto sortudo.
– Quando lá chegou, à
Constituição, já era para guarda-redes ou…?
Era o meu sonho de
menino. Sempre joguei à baliza, até na escola. É uma profissão inexplicável.
Gostava de estar ali, no meu canto, a defender e [começa a rir-se] a irritar os
outros. Gostava mesmo disso. Eles rematavam, rematavam, rematavam e não marcavam.
Às vezes, até me pediam para sair da baliza.
– Com ou sem luvas?
Sem luvas. Só usava luvas
nos dias de chuva. De resto, era com as mãos. Nada melhor que sentir a bola bem
segura, sentir o couro. Se doía? Qual quê?! Nada disso, nada disso. A bola era
macia [o homem diverte-se com a sua própria história e ri-se sem parar].
– Nem com os remates do
Eusébio?
Não, nem pensar. As
pessoas falam muito da potência dos seus remates – e eram, fortes, lá isso eram
– mas o mais terrível era a disponibilidade dele para atirar à baliza. É que
ele rematava de qualquer lado e de qualquer jeito. Se a bola viesse torta, ele
fazia por atirá-la à baliza. Parte da sua genialidade é disso mesmo.
Espontaneidade no remate. Aliado à pontaria, pois claro. De nada vale atirar
com força e ao lado ou por cima. O Eusébio era diferente. Quanto atirava, era
para a baliza e eu que me entendesse com a bola. Outro pormenor delicioso do
Eusébio era a lealdade. Fomos sempre amigos e eu costumava dizer-lhe que nunca
me tinha marcado cara a cara.
– Não era o Américo
conhecido como o guarda-redes…?
Suicida. Isso foram
pessoas como você, jornalistas, a chamarem-me isso. Nunca soube de onde isso
veio. E tive mais, muitas mais. Era o suicida, depois as mãos disto, as mãos
daquilo e até fui o leiteiro, porque, diziam vocês, tinha uma vaca em casa para
tirar o leite e ter sorte. A verdade é que saía muito da minha área, fazia por
isso. Se visse que a bola estava ao meu alcance, ia lá para afastá-la da área.
Os guarda-redes de hoje jogam muito na sua área. Eu jogava aí mas também saía
da minha zona de conforto.
– Só não pôde sair dessa
zona no Mundial-66. Portugal fez seis jogos e utilizou dois guarda-redes.
Primeiro o Carvalho, depois o José Pereira. Só o Américo não jogou. Porquê?
Uns anos depois, o senhor
que tomou essa decisão pediu-me muitas desculpas pelo facto. Estou a falar do
Manuel da Luz Afonso, o selecionador. Sim senhor, o Otto Glória era o treinador
de campo e decidia muitas coisas mas a última palavra era sempre do Manuel da
Luz Afonso. Começou o Carvalho e até nem esteve mal. Não percebi o porquê de o
tirarem assim de repente, a meio da prova. Depois entrou o José Pereira, que
quase não era internacional nem jogou assim tão bem. E eu sem jogar. Veja lá
bem: o Otto Glória foi treinador do Benfica e do Sporting, o Manuel Afonso
tinha sido diretor do Benfica e o Gomes da Silva, o coordenador da seleção, era
do Belenenses. Por isso, os jogadores eram quase sempre os mesmos, sobretudo do
meio-campo para a frente, e nós, os suplentes, a ver a bola desde a bancada.
– Da bancada?
Naquela altura, só
jogavam onze. Não havia suplentes. Esses iam para a bancada. Podíamos, isso
sim, visitar o balneário ao intervalo e no final do jogo. Muitos atribuem a
mudança de local à última hora da meia-final com a Inglaterra de Liverpool para
Londres, mas o nosso grande erro foi não poupar jogadores imprescindíveis nos
quartos-de-final com a Coreia do Norte. Ainda por cima, entrámos convencidos
que íamos ganhar fácil e apanhámos um valente susto. A perder por 3-0, tivemos
de jogar mais que o dobro para passar a eliminatória e isso custou-nos
fisicamente. E por quê? Só jogavam os mesmos: Jaime Graça, Coluna, Simões e
outros.
– Depois desse Mundial,
volta à baliza da seleção e até brilha em Itália, não é?
Empatámos 1-1 [Março de
1967] e ninguém previa esse resultado, até porque a Itália estava a preparar-se
para o Euro-68, que haveria de ganhar em casa, e era francamente favorita. Os
jornais até falavam em quatro ou cinco de diferença. Foi um a um e só porque o
José Augusto lembrou-se de fintar dentro da área. Ele perdeu a bola e o
italiano [Capellini] marcou. Ainda me lembro bem daquilo que o selecionador
deles disse depois, na conferência de imprensa: ‘com o guarda-redes de Portugal
na baliza de Itália, tínhamos sido campeões do Mundo [em 1966]’. Nesse jogo, há
outro detalhe. Eu lesionei um grande jogador, o Riva [avançado do Cagliari, um
dos bambino d’oro de Itália]. Sem querer, parti-lhe a perna: eu saí da baliza a
olhar para a bola, no ar, e choquei violentamente com ele. A tristeza
invadiu-me completamente e nem a visita ao hospital diminui. Só fiquei
completamente aliviado quando ouvi falar do seu regresso. Até foi a tempo de
ser campeão europeu em 1968 e tudo.
– Havia estágios nos anos
60?
Se havia! De sexta a
segunda-feira. Com o Pedroto, de quinta a segunda. Eu e o Pedroto fomos
campeões nacionais como jogadores em 1959, treinados por um brasileiro pesado
de aspeto e feitio, o [Dorival] Yustrich, e depois ele treinou-me no Porto.
Entrávamos no estágio à quinta e, às vezes, com jogos europeus do Porto ou com
a seleção pelo meio, só ia a casa 15 dias depois. Era uma vida muito
complicada. No ano do Mundial, veja bem, estive três meses sem ver a minha
mulher, de Maio até Agosto.
– E quando voltou a
Portugal, agarrou-se ao seu Triumph Spitfire? Li isso no site Bibó Porto.
[lá está a gargalhada por
antecipação] Tinha um Simca e sugeriram-me trocá-lo por esse Triumph Spitfire.
Nem pensei duas vezes, aceitei logo. Era uma Acão promocional. Bastava-me andar
com ele e pronto. Era um carro original, raramente visto em Portugal. Guiá-lo
era uma maravilha.
– Qual a sua maior
alegria desportiva?
O ser campeão, o ganhar a
Taça 68 no 2:1 ao Vitória FC, o ir à seleção, mas….»
E uma outra entrevista, referenciada
aquando de seu falecimento:
«EUSÉBIO NUNCA ME MARCOU
GOLO ISOLADO» (OU O QUE AMÉRICO «LEVA PARA A COVA»…)
NACIONAL 23.09.2023 •
António Simões
Guarda-redes do FC Porto
(que morreu sexta-feira, dia 22) só jogava com luvas quando era dia de chuva e
de um penálti de Eusébio saiu «enjoado». Num «encosto» de Santana começara a
abrir-se o seu drama. Do Mundial de 1966, saiu com a convicção: «Se tivesse
jogado, teríamos sido campeões!»
Até morrer na sexta-feira
(se é que gente como ele morre alguma vez…) Américo Lopes polvilhou a vida com
«orgulho» que, quem o conhecia bem, sabia que não era vaidade: «É verdade,
tratavam-me por Guarda-Redes Suicida pelo modo valente com que me atirava aos
pés dos avançados. Não sei de onde veio a alcunha. Mas tive muitas. E se era o…
suicida também era as mãos não sei de quê – de ferro ou de ouro. Mas ainda
havia quem me tratasse pior – como o homem que tinha uma vaca em casa que tirava
o leite para ter a sorte que tinha. O que não tinha, sei bem: não tinha medo de
ninguém, medo de nada! E, então, se eram altos como o Torres ou fulgurantes
como o Eusébio, eu dizia-lhes que, comigo, era matar para não morrer. Não digo
que eles tivessem medo, mas que era questão de impor respeito, era. E, sim,
esse é orgulho que hei-de levar para a cova: o Eusébio nunca me marcou um golo
isolado!»
SEM LUVAS, ENJOADO COM
TIRO DE EUSÉBIO
Sendo, pois, de livres e
penáltis os golos que Eusébio lhe fez – raros foram os guarda-redes a poderem
ufanar-se do que Américo podia: «Era, o Eusébio tinha um pontapé
impressionante. Eu defendia sempre sem luvas, só nos dias de chuva é que as
punha. Foi assim que, certa vez, defendi uma grande penalidade do Eusébio – e só
Deus sabe o que eu sofri. Sofri, sim senhor: a bola bateu-me na zona abdominal,
com tanta força me bateu que me deixou… Mas, disso, nunca ninguém soube – eu
era um duro, rijo para caraças e nunca daria parte de fraco, dizendo-o!»
O SONHO DO FILHO DO SENHOR
DAS CORTIÇAS
O pai tinha uma empresa
de cortiças e Américo Lopes contou-o a Filinto Lapa (em A BOLA do dia 1 de
setembro de 1969, em véspera da sua Festa de Despedida de jogador): «Nasci a 6
de março de 1933 (melhor dizendo, assim registado no civil, porque nasceu a 27 de fevereiro, na verdade), em Santa Maria de Lamas e por isso o União de Lamas foi a
primeira porta onde eu bati. Simplesmente foi-me negada autorização para
participar em torneios oficiais. O senhor ministro não autorizou que jogasse
com menos de 16 anos e fui-me embora. Mas eu sonhava com o futebol, com os
campos, com a bola. Na minha mente, uma lenda habitava: como deve ser bom jogar
a sério! Naquela altura, falava-se nos Azevedos, nos Barriganas. Eu ouvia na
Rádio: O guarda-redes do voou, voou de um poste ao outro! Espantoso! – e
decidi-me: tenho de ser jogador de futebol e tenho de ser guarda-redes – para
também voar de um poste ao outro! Para isso, pelos meus 17 anos, fiz as «malas»
e fui apresentar-me no FC Porto. Fiquei logo nos juniores e, meses depois, na
época de 1951/52, o meu nome já aparecia nos jornais. Em 1952!53 alinhei nas
reservas, o titular do primeiro time era o grande Barrigana – e eu só queria
ser como o grande Barrigana.»
NA TROPA LONGE POR NÃO
SER DO BENFICA OU SPORTING
Aos 20 anos surgiu-lhe o
habitual aviso para ir à tropa. Não a Filinto Lapa não o disse assim (e se o
dissesse a Censura não permitiria, obviamente, que saísse assim…) – haveria de
dizê-lo, depois, amiúde: «Na tropa estive um ano e meio em Castelo Branco e em
Abrantes porque era do FC Porto. Se fosse do Benfica ou do Sporting não tinha lá
ficado, os clubes não deixavam, teria, certamente, cumprido serviço bem mais
perto do Porto – ou no Porto mesmo. Pedi aos responsáveis do FC Porto para me
ajudarem a livrar do serviço militar e eles foram sempre adiando. A dado
instante, deram-me um saco com uns calções, umas luvas, uma camisola e um par
de chuteiras, para eu ir treinando por onde andasse na recruta – só que não
havia campo para o fazer. Durante ano e meio tiveram, portanto, um jogador de
farda e que nunca treinou, nunca jogou. Isso sim: pagaram-me sempre!».
NA PRIMEIRA VEZ, UMA
GRANDE «BARRACADA»
A sua primeira vez na
primeira equipa do FC Porto dera-se (por finais de 1952) em Évora – por
Barrigana se ter magoado: «Isso ainda foi antes de me ter de apresentar no
quartel! Artur Baeta, que estava nesse encontro, e o técnico Lino Taiolli,
acreditaram em mim e… olhe, foi uma grande barraca. O Correia também se estreou
a central e, nessa tarde, todos nós nos fartámos de meter água».
Livre da tropa, retornou
às Antas com o FC Porto a lançar, com Dorival Yustrich, ao título de 1955/1956.
«A baliza tinha a lotação completa, à minha frente estavam o Pinho e o Acúrsio
– e então, fui de empréstimo para o Boavista. Quando, um ano depois, o Yustrich
voltou, perguntou por mim. Está no Boavista — disseram-lhe e ele respondeu: Mas
eu o queria aqui! Talvez para evitar conflitos, alguém adiantou: Não dá, já
está comprometido oficialmente com eles. O que não era verdade. E, por isso, lá
fiquei. Em 1957/58, treinador do FC Porto passou a ser Otto Bumbel, na
sequência do despedimento do Yustrich por causa daquela zaragata dele com o
Hernâni, em que andaram os dois à pancada – e, então, sim, voltei ao FC Porto.»
COM GUTTMANN, CAMPEÃO COM
UM JOGO
O FC Porto fora a São
Paulo descobrir Béla Guttmann – e no primeiro jogo do campeonato de 1958/1959
(desse campeonato ganho com Inocêncio Calabote a marcar-lhe a história) foi a
Américo que deu a baliza. Não, não foi só pelos três golos sofridos no empate
com o Vitória de Setúbal (na primeira jornada) que não mais lá voltaria – foi
por continuar a ter o Pinho e o Acúrsio «à frente» (e, esses 90 minutos nas
Antas, foram o bastante para lhe pôr o único título nacional no palmarés.
«MAGRIÇO» SEM MINUTO (E
QUEIXA SÓ DEPOIS)
Algures por 1963, da
baliza do FC Porto logo saltitou Américo para a baliza da seleção:
«Internacional fui pela primeira vez aos trinta anos – e pela seleção A joguei
22 vezes, mais uma pela B». Apesar dos brilharetes que se soltaram mãos durante
o apuramento para o Mundial de 1966 (e não só, claro, quer antes, quer depois…)
em Inglaterra não passou de suplente, primeiro de Carvalho e depois de José
Pereira – e a Filinto Lapa (nessa sua entrevista do adeus) não se revelou
agastado com isso, apanhando-se-lhe apenas o murmúrio: «É verdade, fui Magriço
e… não joguei. E se o Manuel da Luz Afonso não me pôs a jogar foi porque
entendeu que outros estariam em melhor forma do que eu. Por isso não, não estou
ressentido. Aliás, nesta hora da despedida, na hora da análise à carreira que
tive, saio sem rancor a ninguém. Aceito tudo.»
Largos anos após, sim:
Américo destravou, enfim, o que guardara em mágoa e a acrimónia (no que era,
afinal, para si, um sinal dos tempos…) «Não quero parecer vaidoso, mas era
muito superior ao Zé Pereira e ao Carvalho. Comigo na baliza, acho que Portugal
podia ter sido campeão mundial. O selecionador Manuel da Luz Afonso nunca me
deu qualquer explicação, era de poucas palavras. E o Otto Glória, o treinador
de campo… mandava pouco. Sendo bom o ambiente na seleção, os jogadores do FC
Porto ficavam sempre um bocado em segundo plano. Era a mentalidade da época…»
PRIMEIRO VENCEDOR DO
PRÉMIO DE A BOLA
Já com José Maria Pedroto
a treinador, foi com Américo em lustro que o FC Porto ganhou a Taça de Portugal
de 1967/1968. Retornando a titular da baliza de Portugal – tendo, nessa época, A
BOLA criado o Prémio Somelos-Helanca para consagrar o Melhor Jogador do
Campeonato, foi ele quem o conquistou – recebendo, para além de monumental
troféu, cheque de 20 contos. (Três contos era, então, o ordenado mensal que o
clube lhe dava e 113 contos custava o Mini Morris que, nos anúncios por alguns
jornais, tinha a publicitá-los raparigas em curtos calções de futebol e a
«moral e os bons costumes» achava um «despudor» mostrarem-se, assim, as pernas
ao léu.)
Foi (em fins da época de
1968/69, quando estava suspenso por Pedroto, junto com Pinto, Eduardo Gomes e
Alberto Teixeira) que Américo percebera «insuportáveis» as dores no joelho que
o precipitaram à operação que lhe marcaria, fatal, o fim. E, com ele assim, campeão
foi o Benfica (graças a empate na Luz já com António Morais no lugar de
treinador interino e Rui na baliza que fora de Américo…)
DRAMA COMEÇOU NO JOGO COM
O BENFICA, NO ENCOSTO DE SANTANA
Bem antes começara o seu
dorido fado (sem que lhe imaginasse tão dramáticas as consequências…), o fado
que saltitou, assim, da boca de Américo para a pena de Filinto Lapa (nessa
edição de A BOLA de 1 de setembro de 1969): «Por 1961, num jogo em Lisboa,
contra o Benfica: o Santana encostou-se a mim, não sei se intencional se
casualmente, e o meu joelho direito acusou o toque. Saí faltavam dez minutos
para o fim do primeiro tempo e recebi tratamento. No segundo tempo, reentrei e
o Santana voltou a tocar-me no joelho, não sei se intencional se casualmente. E
então, foi de vez. Tive mesmo que abandonar o campo. Empatámos 1-1 e estive
quinze dias parado. Voltei e andei um ano a carregar sobre o joelho direito.
Não tinha dores e o Dr. Sousa Nunes não viu mal em que eu continuasse a jogar.
Até que o Dr. Sena Lopes teve de me operar. Antes do FC Porto-Tomar (já de novo integrado na equipa principal portista), senti dor
aguda, fui ao médico, ao Dr. Filipe Rocha, que, após exame com radiografias,
diagnosticou o mal irreparável: a rotura do menisco degenerou. Sim, o exame
clínico ditou que tudo começara em 1961, naquele jogo com o Benfica. A
deformação óssea que tenho, agora, no joelho e me corta a autorização para
jogar futebol, foi-se processando ao longo de todo este tempo. Antes disto,
olhe… o que se passara comigo foi, afinal, coisa pouco – coisa pouca mesmo
tendo partido um pé, os dois pulsos e dois dedos. E parece que tenho, também,
deformação dos ossos da bacia por outros encostos. Da bacia e os ombros.»
COM O BENFICA NO ADEUS E
A MÁGOA DE EUSÉBIO NÃO
Esses foram suplícios que
lhe vieram por ser como era: ir sempre atrás da bola como um gato ia atrás do
rato, mergulhando, valente, aos pés dos avançados que lhe apareciam afoitos e
vertiginosos ou voando, acrobata para a bola sempre a desafiar as leis da
gravidade. Ao regressar do Mundial de Inglaterra, Américo abrira, no Porto,
loja de material desportivo a que chamou Magriço – e, para o jogo da sua despedida,
ofereceu-se o Benfica.
O joelho que o traíra aos
36 anos, permitiu-lhe apenas um minuto na baliza do FC Porto no jogo da festa de despedida (que o Porto perdeu por
3-0, com Aníbal na baliza). Das bilheteiras levou 300 contos – e não, nessa tarde, Américo não teve,
consigo o Eusébio (foi a sua única «desolação»). Ele, o Eusébio, andava, ainda,
em arrastadas negociações com Borges Coutinho, o presidente benfiquista – e em
A BOLA do dia 4 de setembro de 1969 (onde se travava em óbvio destaque a
«homenagem a Américo») a manchete fez-se com Eusébio…»
Armando Pinto
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