Nas diversas fases do ciclismo portista, modalidade em que o
clube azul e branco se foi tornando detentor de melhor palmarés nas provas
nacionais mais importantes, houve um período de grande supremacia ainda nos
tempos das equipas apenas de clubes, antes do surgimento de firmas
patrocinadoras associadas. Como foi na parte final dos anos 50 mais inícios da
década de 60, no romântico século XX. Em cujo decorrer das épocas das corridas
de ciclismo competitivo se salientou Franklim Cardoso, em lugar de destaque no
comando do ciclismo do FC Porto, sobretudo na primeira metade dos mesmos anos
60. Tendo sido com esse icónico senhor do ciclismo que ocorreram as vitórias na
Volta a Portugal de Sousa Cardoso, Mário Silva e José Pacheco, em 1960, 1961 e
1962, respetivamente.
É pois sobre Franklim Cardoso que desta vez se procura fazer
memória aqui. Cujo nome, como curiosidade e para não haver equívocos, no
bilhete de identidade constava escrito como Franquelim, mas ele próprio
escrevia e assinava como Franklim nos jornais onde era comentador de ciclismo. E inclusive constava de cartões oficiais identificativos de funções (livres trânsitos).
Franklim Cardoso, inicialmente e durante muitos anos exerceu
funções de juiz de chegada nas Voltas a Portugal, sendo além desse desempenho
também um profundo conhecedor da modalidade.
Fruto dessa envolvência chegou em 1960 a ser selecionador nacional. Bem como grande Portista, sendo sócio do FC Porto (assim como também era associado pagante do Académico do Porto e do S. C. Vasco da Gama). Até que
passou depois a estar ligado ao FC Porto, iniciolamnte como Dirigente da secção do ciclismo e depois ficou a ser Treinador/ “Orientador técnico” dos ciclistas do FC Porto, cargo que desempenhou
com maestria durante 4 anos.
Então, sob o seu comando, conquistaram os ciclistas do FC
Porto “retumbantes triunfos nas provas nacionais de maior projeção”. Além de
ter contribuído para uma melhor organização da Secção de Ciclismo do FC Porto,
nesse tempo, tendo convidado para componentes da secção grandes sócios
portistas que se revelaram autênticas dedicações, como Manuel Fernandes Almeida
e Serafim Mota.
= Equipa de Ciclismo do FC Porto no início da ligação de Franklim Cardoso ao FC Porto, cerca de 1960. A seu lado (à esquerda da foto) o massagista Lopinhos, e, do outro lado, Azevedo Maia, Artur Coelho, Mário Sá, um diretor, Carlos Simão, Carlos Carvalho e outro diretor; tendo em baixo, depois de dois colaboradores da equipa, Sousa Cardoso, Emídio Pinto, Pedro Polainas e Sousa Santos.
Franklim Augusto Rodrigues Cardoso, como era seu nome
completo, nasceu a 9 de fevereiro de 1924, em Tabuaço.
Foi praticante de
atletismo nas camadas jovens do “Operário” (Clube de Futebol Operário), clube também da área do atletismo portuense, disputando os campeonatos regionais com atletas do FC Porto e do Académico, sobretudo.
Após isso e já adulto, foi mais tarde fundador da Comissão Regional de Juízes e Cronometristas
de Ciclismo, do qual foi Presidente em 1952 do Centro Regional do Norte, da Associação de Ciclismo do Norte.
De
permeio com funções jornalísticas de crítico (comentador, conforme atualmente
se diz) da modalidade, como conhecedor profundo desse desporto das bicicletas
de corrida, a que praticamente consagrou a maior parte da sua vida. Tendo
depois, na sua faceta mais apreciada historicamente, passado a Técnico de
ciclismo, cargo ao tempo referido como treinador e hoje Diretor Desportivo. Ficando
à frente da responsabilidade orientadora da equipa do FC Porto, durante o
período áureo do ciclismo portista, no tempo da categoria dos Independentes
(mais tarde chamados Profissionais e de Elite), a orientar o famoso lote de
ciclistas que ia desde Sousa Cardoso, Artur Coelho, Emídio Pinto, Sousa Santos,
Carlos Carvalho, Ernesto Coelho, José Pinto, Azevedo Maia, Mário Silva, José
Pacheco, Mário Sá, Júlio Abreu, Albino Alves, etc.
Antes e depois de ter sido treinador, Franklim Cardoso era
colaborador do jornal portuense de difusão nacional “O Primeiro de Janeiro”, no
qual deteve a seu cargo durante longos anos a rubrica sobre ciclismo. Onde foi
revelando em seus escritos uma verdadeira competência e isenção exemplar. Mais
tarde foi também colaborador assíduo dos jornais “O Norte Desportivo” e “Diário
Popular”, bem como espalhou diversa colaboração apreciada por outros jornais do
país, como por exemplo o jornal Reportagem. Assim como foi colaborador do jornal
O Porto, ao tempo órgão oficial informativo do FC Porto.
= Na sua função de jornalista, ao tempo como repórter dos jornais O Norte Desportivo e O Porto, Franklim Cardoso entrevistando (da esquerda para a direita) Onofre Tavares, Carlos Carvalho, Artur Coelho (camisola amarela de vencedor do Grande Pémio Vilar, de 1959) e Sousa Santos, anotando as suas impressões para reportagem que foi publicada n’O Porto (sendo esta foto original de papel, naturalmente, da qual deve ter sido copiada a imagem em zincogravura para a impressão, como era usual nesses tempos).
De sua passagem pelo ciclismo, além de sua característica de
bom organizador da retaguarda de trabalho como conseguiu na Secção de Ciclismo
do FC Porto, teve também impacto a sua forte personalidade de defensor de seus
ciclistas e do clube que representava. Quão aconteceu na Volta a Portugal de
1961. Cuja ocorrência tem de ser referida com algum pormenor para se lhe fazer
justiça.
Embora a modalidade das bicicletas não tenha árbitros, tem
juízes e diretores de corrida, mais dirigentes das cúpulas institucionais. E
por vezes outras circunstâncias que se intrometem. Ora, como o FC Porto
dominava o panorama do ciclismo português e havia muitas invejas disso, surgiu
na Volta a Portugal de 1961 um caso que deixou dúvidas e levantou fortes
suspeitas. Tendo a equipa do FC Porto sido intoxicada na comida servida na pensão em que pernoitou, e como tal ficado enfraquecida. Então, sendo oficialmente
dado como se fosse gastroenterite diagnosticada pelo médico (embora na
comunicação social atirassem que foi por ingestão de líquidos gelados), a
verdade é que os corredores do FC Porto no dia seguinte tiveram de chegar tarde
ao local da partida da 8ª etapa Tavira-Beja, da “Volta”, depois de uma noite em
que ninguém da comitiva do clube nortenho pregou olho. Apressando-se os
diretores portistas a avisar o pessoal da organização da Volta sobre o facto e
solicitando compreensão para alguns minutos de espera. Mas, com a pressa de
deixarem os ciclistas azuis e brancos de fora, foi dado início à etapa sem que
a equipa do FC Porto ainda tivesse chegado à meta da partida. Tendo depois os
ciclistas do FC Porto que conseguiram chegar ao local então iniciado a corrida
com substancial atraso, reduzidos no grupo também por naturais desistências. Pois,
apesar de todos terem sido intoxicados, alguns ficaram mesmo em pior estado. Sucedendo
que os ciclistas que estiveram em piores condições, com diarreias, vómitos,
tonturas e febre, terem sido obrigados a nem começar a etapa e outros a
desistir nessa “etapa maldita”. Havendo assim abandonado a prova Artur Coelho,
Júlio Abreu, José Pinto, Ernesto Coelho e Azevedo Maia. Porém, os que restaram
da equipa, apesar do grande esforço de recuperação, não se deixaram vencer pelo
desespero e quatro dias depois, no final da etapa da Covilhã para a Guarda,
Mário Silva conquistou a camisola amarela. Este caso da intoxicação dos
corredores portistas teve, no entanto, repercussões disciplinares devido ao
facto do diretor da equipa do FC Porto, Franklin Cardoso, ter reclamado em
público diante do diretor da corrida, pela indiferença que revelou perante o
drama vivido pelos seus corredores, o que, naturalmente, justificava
perfeitamente que a partida tivesse sido atrasada. Mas, como nesse tempo também
quem podia mandava… isso valeu-lhe uma suspensão temporária oficial. Enquanto, como
espécie de compensação de vingança servida a frio, resistindo a todas as
adversidades e a todos os ataques (incluindo ter sofrido um furo perto da meta
na etapa terminada no Porto, e por isso teve de entrar na pista do estádio a
pé, perdendo 21 segundos), o ciclista do FC Porto Mário Silva, ajudado pelos
colegas resistentes, ganhou a Volta com 57 segundos de vantagem sobre o 2º
classificado, o italiano Marcoletti (da Ignis), deixando a grande distância de
23 minutos e 25 segundos o 3º, Alberto Carvalho (do Académico).
Sintomático, desse comportamento dos resistentes portistas na Volta de 1961: Sousa Cardoso, vencedor
da Volta do ano anterior e principal favorito até ter adoecido, devido à
intoxicação alimentar, acabou por se classificar em 12º da geral individual, à
frente até de Alves Barbosa, que era um dos favoritos da comunicação social.
Tendo a equipa do FC Porto chegado ao fim apenas com Mário Silva, Sousa
Cardoso, Carlos Carvalho, Sousa Santos e José Pacheco.
= Equipa de asssitência e funções organizativas, enquanto acompanhantes de Franklim Cardoso na Volta de 1961, com todos os colaboradores, desde seu adjunto, mais dirigentes, médico, massagistas e mecânicos.
No ano seguinte repetiu-se nova vitória portista, ainda de forma mais convincente porque toda a equipa chegou ao fim, sendo José Santos Pacheco o vencedor individual e a equipa do FC Porto vitoriosa por equipas, nessa Volta a Portugal de 1962.
= Pose em dia de Festival Internacional de Pista nas Antas, em setembro de 1963 – com a presença de dois famosos ciclistas estrangeiros, o ciclista francês Jacques Anquetil (ao centro – o melhor ciclista desse tempo em que foi dominador da Volta a França) e Silvilloti (do lado esquerdo da foto ), estando esses dois ciclistas mundiais acompanhados por (em cima e a partir da esquerda) José Pinto, Azevedo Maia e um diretor; (em baixo) Joaquim Leão, Mario Miranda e Franklim Cardoso.
Em 1964, já apenas como jornalista, Franklim Cardoso acompanhou a vitória de Joaquim Leão. Cujo triunfo foi vitoriado por todos os lados onde pulsavam sentimentos Portistas e sobremaneira teve apoteose na chegada dos ciclistas e responsáveis à cidade do Porto. Como foi publicado no jornal O Porto, em reportagem ilustrada com significativa foto.
= Consagração popular dos vencedores da Volta a Portugal de 1964, à chegada ao Porto – tendo o FC Porto ganho a Volta categoricamente, a nível individual por Joaquim Leão, e coletivamente por equipas com os 8 ciclistas que começaram e acabaram a Grandíssima portuguesa.
Mesmo depois de ter deixado de ser Orientador Técnico da equipa, Franklim Cardoso continuou a conviver e a manter estreita amizade com todos os seus antigos pupilos. Como no caso de bodas e festas familiares em que era convidado. Conforme os casos (identificados por duas fotos correspondentes) dos casamentos dos ciclistas Mário Silva e Ernesto Coelho – em que, junto com a esposa, foi conviva lado a lado com os ciclistas companheiros dos noivos e seus amigos particulares.
Passados anos, em Maio de 1969 Franklim Cardoso foi
homenageado pela Associação de Ciclismo do Porto com a realização do “Prémio
Franklim Cardoso”, prova e trofeu com seu nome, corrida no domingo 11 desse
mês. Ocasião em que foi agraciado com a medalha de honra da mesma entidade,
pelas mãos do então Presidente da mesma Associação António Fernandes, em ato
representado oficialmente por esse também histórico dirigente associativo.
Sinal do apreço em que era tido, tempos depois foi em 1971 convidado para ser o Diretor de corrida do III Grande Prémio Fagor, em Moçambique, onde dirigiu essa importante prova de 10 etapas em Junho desse ano de 1971. Ali, também na ocasião, proferiu então em Lourenço Marques uma série de palestras sobre ciclismo, por via de seus vastíssimos conhecimentos da modalidade.
Faleceu a 5 de setembro de 1972, com 48 anos, em sua
residência, no Porto. Tendo seu funeral tido grande acompanhamento, em
manifestação pública significativa de apreço, desde a igreja da Trindade, onde
se realizaram as cerimónias fúnebres, até ao campo santo onde repousou, ficando
sepultado no cemitério do Pado do Repouso, na cidade do Porto.
No dia de suas exéquias, o “Primeiro de Janeiro”, em crónica
evocativa, referiu-se-lhe afirmando: «Desapareceu uma figura muito conhecida do
meio desportivo, mais exatamente na velocipedia nacional». Acrescentando, sobre
sua veia jornalística de colaborador-comentador de ciclismo: «Era, acima de
tudo, um camarada, um amigo. Leal, afável, fez amigos por toda a parte e pode
dizer-se dele que, como desportista, foi um dos poucos que não conhecem
adversários, no sentido do termo que pressupõe oposição.» Tal qual, referente
aos triunfos como treinador do FC Porto «até nesses momentos os aplausos e
outras manifestações de admiração e simpatia lhe eram dirigidos por técnicos,
dirigentes, atletas e adeptos de coletividades concorrentes».
Mais tarde, em crónica jornalística de semblante saudosista,
Ângelo Granja considerava Franklim Cardoso «eventualmente o homem que, na sua
época, mais sabia de ciclismo, a nível nacional e conseguiu demonstrá-lo pelo
que escreveu e pelo que fez, como Técnico do FC Porto e Selecionador nacional.»
= Homenageado ainda em vida, com colocação na lapela duma distinção oficial, de que se encarregou como representante federativo o presidente da Associação do Porto António Fernandes; e recebendo uma distinção também do FC Porto, pelas mãos do então presidente do Clube, José Nascimento Cordeiro.
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Eterna saudade e constante recordação!
= Imagem com o filho, quando ainda criança – e agora senhor que colaborou com este trabalho, mediante simpático empréstimo das fotografias – e muito material mais, que naturalmente ficará para outras ocasiões pertinentes…
Armando Pinto
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Este artigo foi originalmente publicado neste site