Na terça-feira, a poucas horas do Universo Porto da Bancada, as redes oficiais do Benfica lançaram um novo vídeo de promoção ao Red Pass, o lugar anual no Estádio da Luz. O trecho de cerca de 1 minuto tinha referências evidentes ao programa do Porto Canal e, num tom divertido e leve, fazia uma sátira com as revelações e os indícios de corrupção e tráfico de influências que sobre si têm recaído nas últimas semanas.
Tecnicamente e do ponto de vista estritamente comunicacional, o trabalho estava bem feito, como têm estado todos os trabalhos deste género produzidos ao longo dos últimos anos para o Benfica. Não custa admitir e, se quisermos ser sérios, como queremos, temos de o fazer. Mas esta questão tem de ultrapassar largamente o que é do foro estritamente comunicacional. Na contratação de prestigiadas empresas de marketing e agências de comunicação, onde anualmente empenha centenas de milhares de euros, o Benfica tem um objectivo evidente: atenuar as acusações graves de que é alvo, relativizar o impacto internacional das suspeitas, normalizar o que sabe, melhor do que qualquer um de nós, que não é normal.
Se o Benfica fosse verdadeiramente inocente e se se sentisse como tal, porque empenharia tanto esforço e tantos recursos numa mega-operação de lavagem da sua imagem? E se do ponto de vista do marketing nada há a apontar, para além de elogios, a este trabalho, poder-se-á dizer o mesmo do ponto de vista institucional? “Chegámos ao ponto em que a direção do Benfica vai brincar com o facto de ser corrupta?” – perguntava, e bem, um adepto benfiquista.
Esta reação demonstra aquilo que já todos sabíamos: o Benfica e os seus dirigentes estão preocupados. Primeiro, com as potenciais consequências do que já se soube. Segundo, com o que ainda não se soube mas poderá vir a saber-se. E a valorização do Universo Porto da Bancada e do Porto Canal que é feita por esta reação deve encher-nos, a nós todos – portistas, de orgulho. Se dúvidas houvesse, elas ficam definitivamente eliminadas depois deste vídeo, que vem confirmar o que já se antevia pelos resultados das audiências do programa.
Todos os regimes têm as suas máquinas de propaganda próprias e o regime nacional-benfiquista não é excepção. A estética nacional-benfiquista, tal como a estética nazi, a estética fascista, a estética salazarista,… tem singularidades que interessa destacar e que já se podem depreender da série de casos recolhidos desde 2012: “Descontos à Benfica”, depois do golo no minuto 92, “A Hashtag #Colinho”, depois do ano do colinho, “Cartilha”, depois do caso das cartilhas e, agora, o vídeo que torna aparentemente divertida uma gravíssima acusação de corrupção e tráfico de influências. A estética nacional-benfiquista define-se pela utilização do humor e, particularmente, do non sense, para atenuar ou acusar. Em qualquer dos casos é, provavelmente, o dispositivo mais eficaz que se conhece.
A autoria (pelo menos moral) desta linha tem de ser atribuída a Ricardo Araújo Pereira, que lhe ofereceu importantes contributos ainda nos seus antecedentes. Foi ele que, através do “Gato Fedorento”, com humor e de forma leve, condenou em público o Futebol Clube do Porto e os seus dirigentes, mesmo quando eles iam sendo progressivamente absolvidos pela justiça. Mesmo à medida que se ia percebendo que o Apito Dourado foi um processo torcido, montado para acusar uns e ilibar outros. RAP fez parte de uma estratégia global de humilhação do Porto e do Norte. Autarcas corruptos? – Estúdios do Porto. Prostitutas e corrupção? – Porto. Broncos e parolos? – Porto. No fundo, mensagens subliminares através das quais se inscreveu uma ideia entretanto repetida até à exaustão – a de que o Porto é a Palermo portuguesa, um faroeste impenetrável e perigoso de máfia e banditismo.
Se no início parecia inofensiva, a estética nacional-benfiquista rapidamente tornou-se numa estratégia através da qual a máquina de propaganda branqueia as atividade potencialmente ilícitas do clube. Tal como Leni Riefenstahl, que contribuiu, através do cinema, para a mitificação do Partido Nazi e para a glorificação de Adolf Hitler, a estética nacional-benfiquista glorifica os seus mitos e atenua os seus crimes.
Para a sua concretização, conta com dois apoios fundamentais: as páginas de humor, supostamente isentas, das Redes Sociais – algumas das quais pagas, directa ou indirectamente, pelo próprio Benfica. E a comunicação social, obediente e submissa, que consegue passar literalmente ao lado de todo o escândalo, mas que demora apenas alguns segundos a republicar e difundir o vídeo do Benfica que reage a esse mesmo escândalo. Paradoxal? Talvez não.
Este é o Benfica de hoje, no olho do furacão, confrontado com a situação humilhante em que se encontra, mas empenhado na manipulação dos seus adeptos e na reconstrução do entendimento público do caso. O Benfica das mentiras, das artimanhas, o Benfica pós-emails, tal e qual o Benfica dos próprios emails.
No fundo, é um pouco a imagem da celebração da catástrofe: o Titanic está a afundar, mas a banda, impávida e serena, continua a tocar, como se o rombo no casco não fosse irreversível, como se não estivesse a aproximar-se o fim.