A avaliar pelos comentários dos leitores ao longo dos últimos meses, provavelmente era esta a maior crítica ao Tribunal do Dragão: defender, na opinião de muita gente, excessivamente Lopetegui. É um direito que assiste a qualquer adepto, de achar que um treinador é mais ou menos adequado, desde que haja uma base a sustentá-lo.
Facto: Lopetegui não ganhou nada no FC Porto. Opinião: ninguém, entre os treinadores ao alcance do FC Porto, iria fazer melhor trabalho do que ele nas últimas duas épocas. Realidade: desde a sua saída, Lopetegui já foi alvo de mil e uma culpas, mas a equipa piorou objetivamente em tudo (exceção feita às quatro vitórias de José Peseiro na Grande Lisboa – era penosa a incapacidade do FC Porto, desde 2013, ganhar jogos a sul).
Isto não é um post de defesa a Lopetegui: é comparar o antes e o depois. Quando Lopetegui foi despedido o FC Porto estava a quatro pontos do Sporting e em igualdade com o Benfica; volvidos três meses desde a sua saída, o FC Porto está a 12 pontos do Benfica (não fosse a sofrida vitória na Luz e poderiam ser impensáveis 18) e a 10 do Sporting.
Não é só a questão dos pontos no campeonato. O FC Porto piorou em tudo. Não marca mais golos, sofre mais do dobro, remata menos, permite que os adversários rematem mais, cria menos ocasiões de golo e falha mais passes. Isto são os factos. Se calhar há quem ache, conforme foi descrito no último R&C da SAD, que a troca de treinadores resultou numa «recuperação exibicional». Estão no seu direito.
Na entrevista do presidente ouvimos que «um treinador que chega a meio da época não tem objetivos imediatos». Mas estamos a brincar? Mas alguém pode admitir que o FC Porto tenha desistido do campeonato em janeiro, na época em que preparou o seu maior orçamento de sempre, quando o título estava perfeitamente ao seu alcance e ninguém imaginaria outra coisa senão o apuramento direto para a fase de grupos da Champions?
Não tem objetivos imediatos? Se o FC Porto quis trocar de treinador em janeiro, então teria que ser para melhorar a equipa! Mas não foi isso que aconteceu. A equipa não melhorou e encontrou-se um bode expiatório para todo o insucesso dos últimos meses: Lopetegui.
Vejamos. Lopetegui (que para todos os efeitos era um treinador inexperiente, uma aposta de risco e um verdadeiro tiro no escuro – nunca pareceu haver esta compreensão por parte dos adeptos) ganhou 80,39% dos pontos na liga 2014-15. O poderoso Benfica de Jorge Jesus de 2009-10, que só conseguiu ganhar a liga ao SC Braga na última jornada, teve 84,44% de aproveitamento. Em 2013-14 o Benfica fez 82,22%. E na última época o Benfica, naquela que foi possivelmente a época com mais benefícios de arbitragem em torno de uma só equipa de que há memória, ganhou 83,33% dos pontos.
Lopetegui esteve na casa daquilo que têm sido os campeões dos últimos anos: equipas que ganhem acima de 80% dos pontos. O Benfica neste momento lidera com 83,9% dos pontos, por exemplo. Podem alegar que Lopetegui não chegou nunca a tocar nos 82 a 84%, mas é por causa de um aproveitamento de mais de 4% dos pontos que se justifica uma troca de treinadores a meio da época?
Em 2014-15 Lopetegui fez mais do que suficiente para ser campeão. Infelizmente, perpetuou-se o pensamento de que o FC Porto tinha que ganhar 34 jogos em 34 jornadas. E o facto do Benfica ter sido beneficiado em duas dezenas de pontos não era desculpa. É esse o discurso que apreciam na Segunda Circular: legitimar aquilo que foram os últimos tempos e isolar as culpas em Lopetegui. Continuem, que eles gostam.
Há quem diga que Lopetegui falhou nos momentos decisivos. Admita-se que falhou em alguns, sendo que o maior de todos foi a derrota em casa contra o Dynamo Kyev, já esta época. Não é por perder em Alvalade, onde poucas vezes o FC Porto tem ganho. Não é por não ganhar por dois na Luz, coisa que só Villas-Boas fez. Podem se calhar criticar os pontos deixados pelo FC Porto de Lopetegui na Madeira. Mas esses quase se tornam saudosos quando se perde em casa com Arouca e Tondela. O Tondela!
Podemos culpar Lopetegui por ter trazido fenómenos como Campaña ou Andrés Fernández. Ainda vamos comparar quem sai mais caro, se esses ou Osvaldo ou Marega. Já para não falar que foi numa época com Julen Lopetegui que o FC Porto bateu o seu recorde de mais-valias com vendas de jogadores. Se calhar Alex Sandro, Danilo e Jackson fizeram grandes épocas graças a Fernando Gomes; da mesma forma que o Casemiro evoluiu graças a Alexandre Pinto da Costa; e Rúben Neves foi uma revelação na equipa porque Caldeira avisou Lopetegui atempadamente do talento que ali estava.
Todos têm méritos, menos Lopetegui. E quase ninguém tem culpas, tirando Lopetegui. Há quem diga que o futebol do FC Porto de Lopetegui resguardava-se das suas fraquezas. Mas isso seria uma coisa má? Com uma defesa que não convencia ninguém, o FC Porto teve a melhor defesa das ligas europeias. Ganhou 20 jogos seguidos no Dragão, onde agora o FC Porto perde com Aroucas e Tondelas e borra-se para ganhar a Moreirenses e Uniões de Madeira. Se calhar, Lopetegui não jogava de outra forma por entender que era o melhor que poderia fazer com os jogadores que tinha à disposição.
Foi para isto que trocámos o futebol enfadonho de Lopetegui, cuja média de golos (2.04) ficava acima da de Mourinho (2.00), Ivic (1.93) ou Jesualdo (1.90), pela recuperação exibicional com José Peseiro, que prometia um futebol mais ofensivo, alegre e vertiginoso?
Lopetegui tinha razão quando se queixou que houve um desinvestimento em termos de qualidade no plantel. Este plantel era, é, mais fraco do que o do ano passado. E nisto o próprio José Peseiro não tem culpa: em janeiro o plantel ficou ainda mais fraco, já para não falar da saída de Maicon em fevereiro.
Na época do maior investimento no plantel, o FC Porto vai buscar Suk, Marega e José Sá em janeiro. Suk é mais agressivo na pressão do que Aboubakar, mas não garante mais golos do que o camaronês (marca menos, até); sobre Marega, quem achou que tinha qualidade para o FC Porto que se explique, sobretudo quando estamos a falar de um jogador de 4M€ e cujas qualidades (ou falta delas) estavam aos olhos e toda a gente; e José Sá, conforme esperado, vem para jogar na equipa B – até porque a baliza tinha, na pré-época, deixado de ser um problema.
José Peseiro não teve um único reforço, no verdadeiro sentido da palavra, para a sua equipa. E disso não tem culpa. Mas se a SAD quis trocar de treinador em janeiro, então era para reforçar a apostar no título; ninguém podia desistir do título e dos objetivos do FC Porto em janeiro. Mas quem contrata José Peseiro em janeiro e não melhora um plantel limitado – pelo contrário, piora-o – desiste dos objetivos do FC Porto, na época de maior investimento de sempre. E de quem é a culpa de tudo isto? De Lopetegui, evidentemente.
A postura de alguns jogadores também dá que falar. Tempos houve, de Vítor Baía a Jorge Costa, de João Pinto a Fernando Couto, em que o FC Porto tinha um balneário que sabia da importância e influência da palavra de Pinto da Costa. Se o presidente descia ao balneário para repreender a equipa, os jogadores borravam-se todos, enchiam a cabeça de vergonha e davam a resposta no campo.
Em Paços de Ferreira não vimos jogadores em quem a última entrevista de Pinto da Costa tenha surtido efeito. O presidente é o mesmo, por isso, das duas uma: ou o discurso de Pinto da Costa perdeu força; ou os jogadores não entendem a mensagem do presidente, nem o que ela significa no historial do FC Porto.
Podem tentar encontrar os mais diversos méritos e deméritos para Lopetegui ou José Peseiro. Mas o FC Porto trocou de treinadores em janeiro para melhorar a equipa e, desde então, atribui quase todas as responsabilidades e culpas a Lopetegui. Resultado: o FC Porto piorou em tudo desde então.
Deve haver uma justificação, claro: os estragos provocados por Lopetegui foram tão grandes que agora nem Peseiro, nem Mourinho, nem Guardiola conseguiriam reerguer o FC Porto. É a única justificação que resta, claramente. Quem assobiou Lopetegui no dia em que o FC Porto subiu pela última vez à liderança, em dezembro, só tem motivos para estar satisfeito: o espanhol já não cá está. Que bem que tem corrido. O substituto de Lopetegui tinha que ser melhor do que Lopetegui, independentemente de não ter feito uma pré-época, caso contrário não valeria a pena mudar de treinador; e se Lopetegui era um péssimo treinador, então por que é que começou sequer a segunda época ao serviço do FC Porto? E quando dizem que não faz sentido comparar os treinadores, faz sim: a entrada de José Peseiro visa melhorar a equipa e corrigir os erros cometidos com Lopetegui, senão não valeria a pena mudar de treinador.
Lopetegui não é o melhor treinador do mundo, nem sequer é dos melhores que o FC Porto já teve; mas no último ano e meio, nenhum dos treinadores ao alcance do FC Porto teria feito melhor do que ele. Estejam à vontade para desmentir, mas a primeira experiência de substituição de Lopetegui teve resultados… Bem, que os discutam quem achou que trocar Lopetegui por Peseiro, entre todas as mudanças em janeiro, foi uma boa ideia. Só esperemos que no final da próxima época ainda não estejamos a lamentar os estragos todos que Lopetegui fez no FC Porto.
PS: Toda a análise ao jogo de ontem não seria mais do que um Machado gigante. Mas em pré-época não se pode pedir muito, não é?
PS2: A má exibição do FC Porto não invalida que, uma vez mais, o wonderboy Fábio Veríssimo tenha mostrado toda a sua valia para a arbitragem nacional. E a seguir? Será que Tiago Martins já está preparado para arbitrar um clássico?
Crónica do Tribunal do Dragão