O que é que se passa, afinal, com a bancada do Estoril? — a pergunta ecoa na cabeça da maioria de nós, enquanto diversas respostas, parcelares e incompletas, vão sendo dadas em sentidos contraditórios.
O Expresso dizia no seu título de ontem que “Afinal, já está tudo bem: Liga reabre bancada norte do estádio do Estoril.” “Óptimas notícias!” – rejubila Rui Pedro Braz. O regime celebra a reabertura da bancada do Estoril como se de um golo do Benfica se tratasse, ao mesmo tempo que condena a “invasão de campo injustificável” dos adeptos do FC Porto, que, “vendo-se a perder, tentaram criar um facto – vejam bem – para ganhar na secretaria o que estava já mais-do-que-perdido em campo.” Mas se afinal “está tudo bem”, para quê as obras? Algo não bate certo.
Já o presidente do Estoril, Alexandre Faria, em declarações amplamente citadas, contra-ataca: “Tínhamos razão. Se dúvidas existissem, estão completamente dissipadas” e acrescenta que “o estádio estará disponível por completo, para todos aqueles que apreciam futebol e gostam da verdade desportiva.”
Pois é. Quem é que não gosta da verdade desportiva? Aliás, quem é que não gosta da verdade, de um modo geral?
Vamos à verdade.
Como todos se recordam, a 19/01, quatro dias depois do Estoril-FC Porto, interrompido ao intervalo, o LNEC emitiu um Parecer preliminar sobre as condições estruturais da bancada norte, concluindo que o incidente teria decorrido de um assentamento (colapso) da estrutura da laje de pavimento na zona das instalações sanitárias, no lado nascente. As causas estavam ainda por apurar, sendo que tudo apontava para problemas relacionados com os solos, designadamente com a compactação do aterro ali colocado e sobre o qual a laje se apoiava diretamente.
O que praticamente ninguém sabe é que a participação do LNEC neste processo não se ficou por ali. Uma semana depois, a 26/01, um “Complemento ao Parecer Preliminar” era emitido com o intuito de incluir novas informações entretanto vindas a público (designadamente as que trouxemos no Universo Porto da Bancada de 23/01) e de dar uma indicação relativamente à eventual utilização da bancada a curto prazo.
Este novo parecer, complementar ao primeiro, é muito claro em dois aspectos:
1. Assume-se alheio ao que pode estar a acontecer ou ter acontecido noutros sectores do estádio (designadamente na bancada nascente e poente), assumindo exclusivamente a responsabilidade pelo estudo e análise da bancada norte. “Tendo-se já observado assentamentos significativos no arruamento tardoz da bancada nascente e sido relatado um incidente nesta bancada, será necessário avaliar, de forma inequívoca, as suas causas.”
2. Dos trabalhos de análise efectuados até àquele momento, podia já concluir-se que, apesar de não terem sido detectados, até então, movimentos anómalos na estrutura pré-fabricada da bancada, há indícios de problemas de projeto ou execução nas fundações: “verifica-se que os anéis dos pegões são fracamente armados, com baixa resistência à tração”, um defeito cujas consequências só poderão ser averiguadas mais à frente. Além disso, como já se previa, a laje térrea e os terrenos em que ela se deveria apoiar apresentavam deficiências graves de construção que tornavam inviável a sua utilização. Conclusão: teoricamente, as cadeiras da bancada norte podiam ser utilizadas (até informação contrária), mas não eram acessíveis de forma nenhuma, visto que o uso dos corredores, bem como das restantes instalações sob a estrutura estava interditado. Apenas uma solução era posta em cima da mesa: a construção de “duas estruturas [de acesso] independentes [correspondentes às portas 3 e 4], sem qualquer ligação [estrutural] à laje térrea existente ou à estrutura da bancada”, sugerindo-se “uma solução de apoio baseada em perfis cravados até ao subsolo, sem prejudicar os elementos de fundações existentes.” Em suma, uma obra extremamente cara, complexa e morosa, que tinha de ser feita “de acordo com projeto de execução específico a elaborar por técnico habilitado para o efeito e a aprovar pelas entidades competentes.” (LNEC) O mesmo que dizer: a experiência de 2014 não é para repetir, Estoril e CM Cascais!
A solução apresentada pelo LNEC não terá sido bem recebida por diversas entidades, direta e indiretamente relacionadas com este caso ou atentas ao seu decorrer. Se a construção de novos acessos, suportados numa estrutura de fundações indiretas nova (estacas) e totalmente independente das restantes, era condição sine qua non para a reabertura provisória da bancada, então a reabertura estaria provavelmente impossibilitada, pelo menos, até ao final da época.
E, todos sabemos, era urgente reabrir rapidamente aquela bancada. Era urgente por vários motivos. Desde logo, por uma questão de percepção pública do caso – para que se pensasse que afinal “está tudo bem”, como diz o título do Expresso, e que o Estoril “tinha razão”, como diz Alexandre Faria. Nesse sentido, tal como já tinham feito em 2011, após o colapso da bancada nascente, estão a tentar dissimular e aligeirar um incidente grave. Mas também por uma questão de gestão política-desportiva do processo. É preciso impedir que seja atribuída a vitória ao FC Porto, decorrente da penalização administrativa que o Estoril obviamente sofrerá após a aplicação do 94º Art. “É preciso impedir”, diz o Estoril, como dizem lobbies ligados aos clubes nossos rivais, Benfica e Sporting. E para impedir era fundamental que a bancada não permanecesse fechada muito mais tempo, sendo que o jogo com o Sporting era o momento ideal para essa grande demonstração de normalidade. Nem que, como vamos ser, seja uma normalidade meramente aparente.
Custasse o que custasse, aquela bancada tinha de abrir neste fim-de-semana e, posto isto, lá se chegou a uma alternativa à solução técnica inicialmente apresentada pelo LNEC: um pavimento deformável, aplicado diretamente sobre o aterro (sem fundações), não sujeito a quebrar com a instabilidade e deficiente compactação do terreno (entretanto provada pela peritagem), para resolver provisoriamente o acesso àquela bancada, enquanto todo o seu interior permanece sob interdição, porque as suas condições estruturais, designadamente da laje térrea e dos elementos nela apoiados, podem representar um perigo para os utilizadores.
A reabertura da bancada do Estoril contra o Sporting é uma solução alcançada in extremis, ontem à tarde, já depois da entrada em campo de Emídio Fidalgo, o antigo chefe dos delegados que viajava a convite do Benfica e, agora, coordenador da Comissão Técnica de Vistorias. É uma solução com acessos altamente precários, decidida após um e-mail do LNEC enviado a meio da tarde de ontem e depois de um conjunto de intervenções apressadas, feitas também ontem: um novo perímetro de vedação para colocar os adeptos, contentores para abrigar os equipamentos obrigatórios pelos regulamentos (bar, posto médico, etc) e medidas compensatórias para mitigar as inconformidades em relação ao regulamentos de segurança contra incêndios… A solução segura-se com cuspe, sim, mas está em pé — e, para alguns, é apenas isso que conta.
Talvez por isso o LNEC tenha colocado, desde logo, uma imposição (omitida por todos até ao momento): uma redução significativa do limite de ocupação, de 3.000 para 2.200 adeptos [lembrar: “o estádio vai estar disponível por completo”, presidente do Estoril, adepto da verdade desportiva], e esses adeptos – sabemos – não poderão ser claques (que terão agora de ir para a bancada nascente). Além disso, na segunda-feira terá de haver uma reavaliação das condições estruturais. Ou seja, em rigor, a bancada do Estoril não foi reaberta, mas o seu uso autorizado, especificamente, no dia 4 de fevereiro, sob condições específicas e um conjunto muito alargado de restrições.
Conclusão: o que temos perante nós é uma acção de propaganda com fins concretos: ilibar o Estoril em relação ao que ocorreu a 15/01 e evitar que o FC Porto possa sair a ganhar. A reabertura da bancada norte no jogo contra o Sporting trata-se, pois, de uma encenação, uma farsa para criar a percepção de normalidade, quando, no fundo, os trabalhos de prospecção e análise prosseguem, sendo que, no que já foi possível apurar, ficou provada a debilidade da laje térrea e do aterro, que foram as causas da interrupção do jogo do FC Porto.
Importante é não esquecer que este artifício criado pelo Estoril Praia Futebol SAD e pela Câmara Municipal de Cascais contou com a cumplicidade da Liga, que através de um comunicado manipulador emitido ontem procurou branquear tudo o que se tem passado, omitindo uma parte significativa da história na informação prestada aos adeptos do Sporting e do Estoril. Cita um “relatório favorável do LNEC” que não existe. Diz que “esta decisão nada tem a ver com questões de segurança”, o que é falso. Dá a ideia de que a bancada foi simplesmente reaberta, sem dizer que apenas foi temporariamente reaberta, apenas para este jogo e sob fortes restrições.
É pouco provável que aconteça (e esperemos que não) – até porque não temos estado sob condições meteorológicas severas -, mas não está totalmente excluída a hipótese de voltar a ocorrer um incidente semelhante ao do dia 15/01, como o próprio LNEC reconhece. Tomaram-se medidas que o reduzem, mas não excluem absolutamente esse risco.
É gritante. A condução negligente deste processo, a constante manipulação, os jogos de sombras e de bastidores são, só por si, repugnantes e próprios de quem está a pensar mais na gestão política do caso do que nos adeptos.
Texto: Baluarte Dragão