A esmagadora maioria das claques de futebol não cumpre a lei: apenas 14 estão registadas no Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Mas as forças de segurança têm identificados mais de 100 grupos de adeptos que optam pela clandestinidade.
O Benfica é o único dos três grandes que não tem nenhuma registada naquele organismo, apesar de a Polícia seguir há muito tempo as duas claques da Luz: os Diabos Vermelhos e os No Name Boys (que teve alguns elementos envolvidos nos incidentes ocorridos no Marquês de Pombal, há um mês, na festa do título).
Clubes como o Braga, o Belenenses e a Académica também não estão representados na lista fornecida ao SOL pelo IPDJ, apesar de todos terem claques bem conhecidas dos spotters (agentes destacados para acompanhar as claques). Nem todas, é certo, oferecem problemas – só as maiores é que são monitorizadas de perto, nomeadamente pela PSP, que tem por missão acompanhar o fenómeno da violência no desporto a nível nacional. Mas, lembra ao SOL fonte policial, “por vezes há incidentes graves até em jogos de escalões inferiores, por causa de bairrismo e rivalidade”.
Registo incompleto
Embora não resolva todos os problemas, o registo – que é obrigatório desde 2004 –, “se cumprido tal e qual está previsto na lei, permite saber ao certo quem é quem e identificar mais facilmente os que têm condutas violentas e ilegais”.
O primeiro passo para a legalização implica que as claques se constituam como associações e se registem no IPDJ. Isto significa que todos os seus membros, um a um, devem ser identificados e fornecer dados pessoais, como bilhete de identidade, morada e fotografia. A Polícia tem, porém, sérias dúvidas de que este registo seja fiel à realidade. “Nem todos estão identificados, muitas vezes eles próprios não sabem quantos são”, salienta a mesma fonte policial.
Esse registo deve estar actualizadO e as claques têm de apresentá-lo, caso as autoridades o peçam, nas deslocações para os jogos. Os clubes, por seu lado, devem enviá-lo a cada três meses ao Instituto do Desporto – que depois o faz chegar à Polícia.
Para as claques do Benfica, estes mandamentos não são vistos com bons olhos. “A única entidade perante a qual nos devemos identificar é o Benfica e isso já acontece enquanto sócios”, justificou ao SOL um membro dos Diabos Vermelhos, a mais antiga claque do clube, com 33 anos.
“É uma filosofia: sem nome, sem cara. E é esse o nosso orgulho”, defende um adepto dos No Name Boys, que nasceram 10 anos depois de uma cisão no seio dos Diabos. A ideologia, insiste, é a razão do anonimato: “Tem muito a ver com uma independência em relação às direcções do clube. Além disso, ter o nome associado a uma claque pode ter consequências na vida profissional, por exemplo”.
Fonte policial acrescenta outra explicação: “Querem evitar o controlo das autoridades. E alguns, que já têm antecedentes por tráfico de droga, roubos e participação em rixas, aproveitam esta plataforma para exercer actividades ilícitas”.
“Para os que possam prevaricar”, admite aquele adepto dos No Name, “dá mais jeito que assim seja”. De qualquer forma, garante, o clube tem “interesse em ter claque”: “E se a claque está satisfeita e funciona assim, ilegal, ninguém vai mexer nisso”.
Apoio em material e deslocações
Nenhum clube pode dar apoio a claques ilegais, seja de que tipo for – isso pode custar uma multa até 200 mil euros. Mas a realidade é bem diferente. Fontes policiais garantiram ao SOL que a PSP já iniciou processos contra o clube da Luz por este ter atribuído apoios directos ou indirectos às claques. Mas a decisão final cabe ao Instituto do Desporto – que não esclareceu se alguma vez aplicou multas ou sanções de jogos à porta fechada ao clube presidido por Luís Filipe Vieira.
Em causa está, sobretudo, a venda de bilhetes mais baratos, “que os líderes revendem depois a preços superiores, obtendo margens de lucro elevadas” – uma prática que, ressalva a Polícia, é extensível a outras claques. Os relatórios da PSP dão também conta de cedência de material às claques e apoio nas deslocações, com aluguer de autocarros e comboios, por exemplo nas idas ao estádio do Dragão: “Fretam um comboio para cada claque (embora digam que é para todos os adeptos, nas requisições à CP faz-se menção ao nome de cada claque)”. E em algumas idas ao estrangeiro “são convidados alguns membros das claques”.
Um adepto dos encarnados que conhece bem os meandros de ambas as claques partilha dúvidas semelhantes: “Não se percebe como, mas têm facilidade e prioridade no acesso a bilhetes para jogos importantes lá fora, em relação aos outros sócios”.
Questionado pelo SOL sobre este apoio e sobre o esforço que tem feito para legalizar os seus apoiantes, o Benfica não respondeu.
Nenhum clube sanciona adeptos violentos
“Os clubes não assumem as responsabilidades e competências que lhes são atribuídas na lei, e esse é o maior problema. O primeiro nível de sancionamento cabe-lhes a eles”, critica outra fonte policial.
Diz a lei que os clubes devem, antes de mais, saber ao certo quem são os membros das claques, manter esse registo actualizado e, com base nele, tomar medidas de controlo para prevenir a violência nas deslocações e nos recintos desportivos (por exemplo, emitir bilhetes em número não superior à dimensão das claques e com o nome de cada membro é outra obrigação). Não o fazer pode dar origem a uma multa entre 2.500 e 200 mil euros.
Mas não só: sempre que um adepto tenha um comportamento violento, os clubes devem sancioná-lo, expulsando-o ou impedindo-o de entrar no estádio. “Que se saiba, nenhum o faz. Em contrapartida, muitos adeptos são impedidos de entrar por não pagarem as quotas”, critica esta fonte.
Nenhum dos três clubes, contactados pelo SOL, esclareceu se alguma vez expulsou ou impediu o acesso ao estádio de adeptos envolvidos em agressões ou arremesso de material pirotécnico.
Fonte:http://www.sol.pt/noticia/398584/Claques-a-margem-da-lei