Saúde-se a prontidão de Alexandre Pinto da Costa. No dia seguinte a ver a sua cara chapada no CM, a Energy Soccer emite de pronto um comunicado e o empresário dá uma entrevista de grande destaque ao JN. Coisa rara nos tempos que correm.
O Correio da Manhã pegou em informações que já eram do domínio público e deu uma injeção de sensacionalismo no tema. E como seria de esperar, cometeu imprecisões, que foram de pronto identificadas pela Energy Soccer no seu comunicado.
O caso de Ricardo Quaresma é um exemplo. Já se sabia, desde a época 2013-14, que havia uma despesa de 500 mil euros associada à sua contratação. O CM escreveu que Alexandre Pinto da Costa recebeu 500 mil euros de comissão, enquanto o empresário desmente e diz isto: «Na contratação do jogador a Energy Soccer não emitiu qualquer factura ao FC Porto SAD por este negocio.»
De realçar a insistência de afirmar que a Energy Soccer não emitiu nenhuma fatura ao FC Porto. Tem uma explicação, porque é verdade. Conforme se pôde ver no R&C, o FC Porto não tinha nenhuma dívida à Energy Soccer, mas sim à DNN.
Dívidas a outros clubes e entidades – Relatório e Contas 2014-15 |
Por isso, neste dia 1 de abril, Alexandre Pinto da Costa não mentiu: de facto, a Energy Soccer não passou nenhuma fatura ao FC Porto, pois quem o fez foi a DNN (uma empresa fundada em 1999, de Pedro Pinto, e que está ligada a dois treinadores do FC Porto, Luís Castro e José Peseiro).
E aqui é que surge o fenómeno Football Leaks, que publicou um acordo entre a Energy Soccer (Segundo Outorgante) e a DNN (Primeiro Outorgante), para que a DNN transferi-se para a Energy Soccer metade do dinheiro que viesse a receber do FC Porto.
Acordo entre a Energy Soccer e a DNN na transferência de Quaresma |
Assim se explica como é que a Energy Soccer não emitiu nenhuma fatura ao FC Porto e diz ter recebido apenas 596 mil euros, ao contrário dos cerca 2M€ que foram noticiados. É verdade, ninguém mentiu. Tal como o FC Porto também não pagou nada por Casemiro à Energy Soccer: o FC Porto pagou à Vela, do Universo Doyen, e depois a Vela transferiu dinheiro para a Energy Soccer e a Pesarp. Tudo explicado.
Do comunicado da Energy Soccer não há muito mais a destacar, mas a empresa diz que entre as transferências de Atsu, Rolando e Álvaro Pereira ajudou a SAD a ter um encaixe de 16,6 milhões de euros. Atsu e Rolando saíram por valores reduzidos (1,5M€ cada), enquanto Álvaro Pereira saiu por 10M€, mais variáveis. E aqui é curioso que a venda de Álvaro Pereira seja usada para aumentar o bolo do encaixe. Porque se é verdade que a Energy Soccer não colaborou, diretamente, na compra de Quaresma, também é verdade que a Energy Soccer não emitiu nenhuma fatura ao FC Porto na venda de Álvaro Pereira – quem fez o pagamento foi a IG Teams & Players, no valor de 25 mil euros (por, segundo o documento divulgado, um serviço prestado em setembro de 2012, no mês seguinte à venda de Álvaro Pereira ao Inter).
A IG Teams & Players é uma empresa bem mais conhecida no universo do Benfica: metade dos seus ativos são jogadores que estão ligados ao Benfica ou que já passaram pelo clube, casos de Derlis González, Claudio Correa, Francisco Vera, Urreta e Funes Mori (não tem nenhum jogador atualmente ligado ao FC Porto).
Na entrevista ao JN Alexandre Pinto da Costa não diz nada de revelador na parte dos negócios, mas admite que também faz negócios de prospecção para o FC Porto «ou qualquer outro clube». O empresário diz que tem uma carteira com muitos clientes, que negoceia com vários clubes e que só não revela quem representa por que não quer.
O que torna a Energy Soccer «tão diferente e especial» |
É um caso único no nosso futebol. Todos os empresários da nossa praça gostam de publicitar as suas carteiras de jogadores e divulgarem, publicamente, que negoceiam com vários clubes. Seja uma Onsoccer ou uma Promosport, uma International Foot ou uma US11. Mas a Energy Soccer é um caso único que prima pela discrição. Isso já será uma preferência de Alexandre Pinto da Costa, e a maneira como a gere só a ele lhe dirá respeito, mas de facto todas as notícias de transferências que são mencionadas no site da Energy Soccer têm a intervenção do FC Porto. Todas do FC Porto, nenhuma a envolver qualquer outro clube. A nível de imprensa, também nunca houve notícias a envolverem Alexandre Pinto da Costa em negócios que não contassem com o FC Porto. Mas o empresário garantiu que é assim porque é assim que quer.
E é aqui que a análise pode ser aprofundada. O que têm em comum Atsu, Rolando ou Álvaro Pereira? Todos saíram, digamos, a mal do FC Porto, ou como disse a Energy Soccer, não faziam parte do projeto desportivo. É um padrão algo comum. Mas como de facto o FC Porto não emitiu nenhuma fatura à Energy Soccer por Álvaro Pereira, então talvez não faça sentido associar a venda ao Inter à Energy Soccer. A não ser que ela tenha trabalhado de borla – isso seria louvável.
Portanto, qual foi a maior venda do FC Porto com intermediação de Alexandre Pinto da Costa? Tendo em conta que o próprio admitiu que não recebeu comissões na saída de Carlos Eduardo (diz que recebeu 100 mil euros no total «das duas operações», mas isso foi a comissão no momento da compra ao Estoril), então as maiores vendas a envolver diretamente a Energy Soccer foram Atsu e Rolando, por 1,5M€ cada (o Besiktas informou que pagou 1,2M€ por Quaresma, a Energy Soccer diz que o FC Porto recebeu 1,5M€).
O jogo das diferenças |
E aqui vemos o quão ridículo é comparar estas operações com, por exemplo, os negócios de Jorge Mendes. O chavão «todos os clubes pagam comissões» e «todos os empresários recebem comissões» é de uma leviandade que não pode estar presente na discussão destes temas. Por exemplo, o desafio de calcular quanto já recebeu Jorge Mendes de comissões do FC Porto seria de facto interessante. Mas antecipando a conclusão: é o empresário que mais dinheiro deu ao FC Porto.
A experiência mais recente nem é boa, com Jorge Mendes a deixar o FC Porto a arder no negócio Adrián López, por quem a SAD já pagou quase 8M€ ao Atlético. Mas Jorge Mendes é, de longe, o empresário que mais bons negócios já fez com o FC Porto. James, Falcao, Mangala, Anderson, Danilo, Pepe, Ricardo Carvalho, tantos outros.
Jorge Mendes nem sequer era o empresário de alguns destes jogadores, mas surgiu como intermediário. E nisso não há problema nenhum, desde que o empresário chegue à SAD do FC Porto e apresente boas propostas. No dia em que Alexandre Pinto da Costa chegar à SAD e bater ali uma proposta de 20 ou 30M€ por algum jogador do FC Porto, maravilha, pode e deve levar a comissão a que tem direito, e de certeza que ninguém se insurgirá contra isso (pelo contrário, até será elogiado). Mas enquanto estivermos a negociar jogadores por 1,5M€, a custo zero ou a recrutar jogadores para a equipa B dos quais a SAD só assume parte do passe, comparações com Jorge Mendes são um sacrilégio. Além de que há inúmeras notícias de negócios de Jorge Mendes com clubes um pouco por todo o mundo, não apenas com o FC Porto.
Também se tem insistido muito que, se Alexandre Pinto da Costa tiver algum jogador que interesse ao FC Porto, a SAD não deixará de querer o jogador. Óbvio. Mas como não se conhece a carteira de jogadores de Alexandre Pinto da Costa, nunca se sabe ao certo. Aliás, a maioria dos negócios em que Alexandre Pinto da Costa surgiu associado ao FC Porto foram vendas, não compras. Não se conhece nenhum jogador que o empresário, neste momento, represente que possa interessar ao FC Porto. O resto são chavões para lugares comuns. Votos para que cheguem das mãos de Alexandre Pinto da Costa à SAD muitas propostas de 20M€ para cima, pois o FC Porto bem necessita delas, e que esses serviços de scouting continuem a descobrir muitos craques. O perfume do futebol de Fede Varela tem deslumbrado na equipa B.
Sobre as acusações do Football Leaks para a elaboração de contratos pré-datados não houve comentários. A Doyen também reagiu junto da imprensa, orgulhando-se que «o FC Porto teve sempre lucro em negócios por nós intermediados». A Doyen só foi fundada em 2011, ainda não há muitos exemplos de negócios – Mangala, que até foi intermediado com o City por Jorge Mendes, foi o melhor de todos e um dos melhores da história da SAD; Imbula e Defour cobriram basicamente os custos; Brahimi está na calha para sair e vamos ver se a receita será assim tão grande.
Que os negócios gerem lucro para o FC Porto não é favor nenhum: é uma obrigatoriedade. Com o tipo de gestão que pratica, o FC Porto precisa de vendas para sobreviver. Mas precisa de grandes vendas. A vender Defours ou Atsus, a SAD não durava muito. É preciso grandes negócios, como Mangala, por exemplo. Pode ser a diferença entre só ter que vender dois jogadores ou ter que vender meia dúzia deles. Além de que, escusado será dizer, o risco dos negócios está sempre em cima do FC Porto, que é quem tem que fazer evoluir os jogadores e pagar os salários. Os fundos nunca têm prejuízo.
A Doyen também não comentou diretamente as dúvidas sobre os contratos pré-datados, mas considera que se não fosse a Vela, com o seu contrato de scouting assinado em janeiro de 2015, Casemiro nunca teria vindo para Portugal. Por isso aqui fica o agradecimento à Vela, que conseguiu descobrir um jogador do Real Madrid que poucos conheciam. Portanto quando Casemiro agradeceu a Pinto da Costa e Lopetegui o seu papel na sua transferência para o FC Porto, esqueceu-se de mencionar a Vela. Ficou-te mal, Miro, pois não era qualquer um que te ia descobrir ali perdido no modesto Real Madrid – daí que por exemplo o Benfica, que não te conhecia, nem te tenha tentado desviar na semana em que assinaste pelo FC Porto. Depois das acusações do Football Leaks, a Energy Soccer reagiu, a Doyen reagiu, e acaba por não surgir nada mais de revelador.
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Fonte: Tribunal do Dragão